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Sem apelar para o pop, Chivas Festival traz Paul Motian e Mary Stallings
Jazz puro-sangue
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na contramão da maioria dos
festivais internacionais de jazz,
que recorrem cada vez mais à música pop para ampliar suas platéias, o Chivas Jazz Festival reafirma sua opção pelo jazz sem misturas. É o que mostra o programa
de sua quarta edição (veja quadro
nesta página), que vai acontecer
de 28 a 31 de maio, em São Paulo e
no Rio de Janeiro.
Nomes de jazzistas inéditos em
palcos brasileiros, como o do baterista Paul Motian, dos pianistas
Paul Bley e Jason Moran ou ainda
dos saxofonistas Arthur Blythe e
Eric Alexander, indicam que o
Chivas Festival foca sua programação no jazz de verdade, seja o
"mainstream" ou o "bebop", ou
ainda estilos individuais mais afinados com a vanguarda.
Uma cantora norte-americana
praticamente desconhecida no
país, apesar de já ter se apresentado aqui três décadas atrás, tem
grandes chances de terminar o
festival na irônica condição de
"revelação". Até porque a elegante Mary Stallings é uma espécie de
tesouro escondido do cenário
atual do jazz.
Sua história lembra em parte as
de Alberta Hunter e Shirley Horn,
cantoras que retornaram à cena
do jazz depois de décadas de afastamento. Miss Stallings deixou os
palcos em plena ascensão, em
meados dos anos 70, depois de se
apresentar como vocalista das
bandas dos mestres Dizzy Gillespie, Billy Eckstine e Count Basie.
"Eu me afastei por uma combinação de motivos, mas antes de
tudo por causa das cansativas turnês. Eu tinha família e queria estar
com ela. Foi uma decisão muito
difícil de tomar, mas necessária",
disse à Folha, por telefone, de San
Francisco, sua cidade natal.
Declarando-se "ansiosa" por retornar ao Brasil, onde cantou ao
lado de Gillespie em 1974, Stallings se lembra de ter visitado
uma escola de samba carioca.
"Ensinaram minha filha, que
era pequena, a dançar o samba.
Nós nos divertimos muito", conta, assumindo ser fã da música
brasileira. "Só se eu fosse de outro
planeta não teria afinidade com
essa música", brinca.
Dona de estilo pessoal que remete aos de outras grandes cantoras do gênero, como Carmen
McRae e Ella Fitzgerald, Stallings
reconhece que tomou Dinah
Washington como modelo, no
início da carreira. "Fiquei muito
impressionada com a dicção e o
modo dela de interpretar as canções. Dinah era muito leve e eu, de
certo modo, segui essa direção."
Graças às importantes parcerias
das quais participou, na fase inicial de sua carreira, a autodidata
Stallings diz ter aprendido muito.
"Billy Eckstine era um expert na
arte de interpretar uma canção e
de como se comportar no palco.
Com Dizzy eu aperfeiçoei minha
musicalidade. Aprendi como frasear, como lidar com o ritmo. Já
Count Basie me transmitiu antes
de tudo a disciplina necessária para cantar com músicos que tocavam tão bem", resume.
Com sete álbuns lançados depois de voltar à cena musical no
início dos anos 90, Mary exibe em
seu último CD, "Live at the Village
Vanguard" (MaxJazz, 2001), uma
prévia do que poderá apresentar
no 4º Chivas Jazz Festival. Seu sofisticado repertório destaca clássicos standards do gênero, compostos por medalhões como Duke Ellington e Cole Porter.
"Gosto de cantar canções que
reflitam a minha experiência de
vida. Geralmente elas envolvem
situações de amor e perda", observa Mary Stallings, dizendo que
ainda não definiu o repertório de
seus shows no festival, mas está
planejando alguns standards
"com um sabor brasileiro". Essas
canções devem entrar em seu
próximo álbum, que começa a ser
gravado em outubro, pelo selo
MaxJazz.
Quanto à cena atual do jazz, Stallings considera que ela é "100%
diferente" daquela que abandonou três décadas atrás. "Hoje o
marketing supera o talento. A indústria prefere se centrar em artistas mais jovens. Isso é trágico,
porque no jazz a essência da música está ligada à vida do artista.
Você só consegue atingir a alma
dessa música se já tiver vivido, se
não ficará apenas num nível superficial. Não adianta somente
cursar uma escola para fazer essa
música. É preciso ter experiência
de vida."
Carlos Calado é autor de "O Jazz como
Espetáculo", entre outros livros
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