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CINEMA
Diretor argentino, que fará oficina no Rio, fala das novas produções argentina e brasileira
Solanas percorre trajeto entre rios
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Os números ele conhece na
ponta da língua, quantos estão
desempregados, quantos passam
fome, qual é o tamanho da inflação e quanto a Argentina deixou
de crescer em 2003.
Se no passado o cinema de Fernando Solanas, 68, se dedicava a
elaborar a cosmogonia da identidade argentina e a opor-se à ditadura, em filmes como "Tangos
- O Exílio de Gardel" (85), agora o
diretor se esforça por tentar diagnosticar as moléstias desse país
doente, apontando um dedo acusador ao que julga ser o responsável por sua enfermidade, o neoliberalismo. Ou, em suas palavras,
"a maneira como a Argentina se
entregou de joelhos ao FMI".
É a visão que está por trás de sua
mais nova produção, "Memórias
del Saqueo" (2004), um filme-ensaio em que o cineasta trata do
que chama de "genocídio social".
"Nos anos 90 nos tornamos os
melhores alunos do Fundo, com
isso multiplicamos nossa dívida
externa e criamos uma legião de
miseráveis", disse à Folha, por telefone, de Buenos Aires.
"Memórias del Saqueo" será
utilizado por Solanas em uma oficina que ministrará dentro do
evento "Pratas dos Rios - Diálogo
entre o Rio de Janeiro e o Rio da
Prata", que tem início amanhã, no
Rio.
Autor de alguns clássicos do cinema latino-americano, como
"La Hora de los Hornos" (1968) e
"Sur - Amor e Liberdade", o cineasta argentino acaba de ser homenageado com o Urso de Ouro
no último Festival de Berlim.
Atualmente, prepara um complemento de "Memórias del Saqueo", que se chamará "Argentina Latente", também sobre a crise. "O cinema segue sendo o meio
de maior impacto cultural que
podemos utilizar. O filme de Michael Moore ["Tiros em Columbine'] fez mais por mostrar a sociedade americana do que muitas
outras coisas feitas lá. Creio que
esses meus dois filmes podem fazer o mesmo por meu país", diz.
Solanas concorda que Brasil e
Argentina estejam vivendo um
momento de revitalização de seus
cinemas. Questiona, porém, os
confetes jogados apenas na nova
produção comercial argentina.
"Coisas como "O Filho da Noiva",
co-produzidas por emissoras de
TV, não respondem por essa retomada sozinhas. Esse é um filme
de mercado, comercial, ainda que
simpático e muito bem feito. Mas
há também o cinema jovem, independente, e o cinema-ensaio. Todos têm vivido bons momentos."
Além de uma necessidade geral
de reflexão provocada pela crise,
Solanas vê como responsável por
esse novo vigor argentino a reforma nas leis de financiamento do
cinema, feitas em 1995. Naquele
ano, o Instituto Nacional de Artes
Audiovisuais (Incaa) se tornou
independente e passou a gerir um
orçamento formado por 10% da
venda das bilheterias de todo o
país mais a quarta parte do que
pagam TVs e rádios pelo uso de
suas licenças. Com isso, o Incaa
dá crédito à produção de 45 filmes
por ano e ainda financia a Escola
Nacional de Cinema.
A maioria das produções de sucesso dessa retomada são de baixo, ou baixíssimo, custo. Para Solanas, isso tem um impacto na estética compartilhada por essa geração. "Filmes baratos liberam.
Quanto mais baixo é o orçamento, mais desamarrados trabalham
o autor e o diretor. É aí que entram os talentos pessoais. O que
iguala essa geração é a liberdade."
Sobre o bom momento brasileiro, Solanas elogia os filmes de
Walter Salles e Luiz Fernando
Carvalho, mas faz críticas duras a
"Cidade de Deus", de Fernando
Meirelles. "É um trabalho extraordinário de realização. Mas
todo o enfoque é dado ao mecanismo da violência, com engrenagens narrativas hollywoodianas. É
como uma montanha-russa, você
sofre por duas horas. Ao final, porém, fiquei sem saber o que mais
há ao redor dos garotos. E, com
uma quarta parte da ferocidade
usada, eu já teria compreendido o
tema da violência", conclui.
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