São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

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CRÍTICA

Obra é "Ghost" diluído

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Junte nas mesmas cansadas páginas um pouco do filme "Ghost" e de Allan Kardec diluídos, um pouco da estratégia de "erudição socializada" e do suspense de "O Código Da Vinci" e o clássico tema literário da busca da obra de arte sublime e você conseguirá ter uma idéia do enredo de "Da Próxima Vez", de Marc Levy. Não é difícil imaginar o resultado de tal mistura.
Que o livro seja um fenômeno de vendas na França é daqueles mistérios cuja solução nenhum detetive (ou crítico literário, deve-se dizer) conseguiu decifrar. Aliás, é na própria idéia de "deciframento" que reside a principal das inúmeras fragilidades do romance, uma vez que, criados os impasses no texto, o encaminhamento das soluções carece do mais banal senso do ridículo.
Mas nem é preciso ir tão longe. Tome-se a passagem: " - Mas onde estava, Anna? -disse imediatamente. - Liguei dez vezes para você, estava começando a ficar realmente apreensivo. Houve alguns minutos de silêncio e a voz de Clara respondeu (...)"
Imagine só o que seriam "alguns minutos de silêncio" ao telefone. Você fala algo e aí começa a espera (dá tempo de brincar com o cachorro, ir ao banheiro, comer alguma coisa etc.). Chega, então, finalmente a resposta do outro lado da linha... O exemplo parece caricato, mas, infelizmente, não é incomum em "Da Próxima Vez".
O difícil é não parecer saudosista ao lembrar que na mesma França de Levy um autor como Balzac escreveu a novela "A Obra-Prima Desconhecida" (ou "Ignorada", dependendo da tradução), que tem pelo menos um ponto em comum com este romance e um alcance tão distinto. E a comparação não é descabida, como alguém pode supor, pois o autor de "A Comédia Humana" não criava para públicos reduzidos.
Se o livro ao menos servir para encaminhar o leitor a esse outro texto, justificará plenamente a sua existência. Quem se interessar deve encontrar nas livrarias uma versão para o português feita por Teixeira Coelho e lançada há poucos anos pela Comunique Editorial.


Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido" (editora Globo).

Da Próxima Vez
 
Autor: Marc Levy
Tradução: Maria Alice Araripe de S. Doria
Editora: Bertrand
Quanto: R$ 35 (256 págs.)


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