|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
"Diplomacia' é belo epitáfio
do enviado ao Rio
Um fato explicável e outro
inexplicável rondam a história
de Batatinha. O explicável é
que tenha gravado tão pouco
-não era, na acepção completa do termo, um cantor. O
inexplicável é que tão poucos
artistas tenham gravado o criador de alguns dos sambas mais
pungentes que já se fizeram.
"Diplomacia" revoluciona
o explicável e mantém o inexplicável. Mantém porque os
convidados que ali estão são os
que de há muito o reverenciam
-não há novas conquistas.
O elenco se desincumbe da
tarefa brilhantemente -graças, basicamente, à simplicidade, essa qualidade inalienável
de Batatinha. Ainda assim, Gilberto Gil consegue saltar à
frente de todos, em interpretação rigorosa de "Imitação".
E "Diplomacia" revoluciona porque é um achado quanto
à voz de Batatinha. Pela primeira vez nos poucos registros
que deixou gravados, o cantor
transfere integralmente à interpretação a dor que sempre
imprimiu às composições.
A voz fraquinha, a prosaica
caixinha de fósforo, as inflexões engraçadas, os chiados,
talvez até o peso da doença tornam mortais as facadas de tristeza verbal proferidas pelo
cantor -as mesmas que desde
sempre encantaram Bethânia.
No curto prólogo "Depois
Eu Volta", já começa cuspindo fogo: "É Carnaval, é hora
de sambar/ peço licença ao sofrimento/ depois eu volto pra
meu lugar". Sem respiro,
emenda "Conselheiro".
Letrada por um Paulo César
Pinheiro que parece ter recebido a entidade Batatinha, a faixa
rende o momento mais emocionante do disco.
Pela poesia ou pela forma de
interpretar, Batatinha deve ser
entronizado à tradição carioca
de Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola (que
ele amava e homenageou em
"Ministro do Samba", presente no CD), mas também à
da marginália paulista de Geraldo Filme e à do canto primevo de Clementina de Jesus.
Como Filme azarou de nascer em São Paulo, Batatinha
deu de ser baiano, e acabou
nisso -marginalidade morna,
conformada. A tradição existe,
entretanto -estão no CD,
cantando com ele a brejeira
faixa "De Revólver Não", o
contemporâneo Riachão e os
seguidores Nelson Rufino, Edil
Pacheco e Valmir Lima.
Também aí, "Diplomacia"
vem ser desmistificador. "De
Revólver Não" -história verídica de um sujeito que queria
pescar com revólver- expõe a
pouco lembrada face bem-humorada de Batatinha.
Tal também se dá em "Jajá
da Gamboa" ("Mas a cabrocha é boa/ apesar de ser coroa/
mas o Jajá da Gamboa/ é o dono da situação) e, acima de tudo, na antológica "Bebé Diferente": "Muito bebé chora,
chora pra comer/ muito bebé
chora, chora pra valer/ eu como sou um bebé diferente/
quando choro, quero aguardente". Mas, acredite, a alegre
marchinha é muito triste. Assim era Batatinha, e "Diplomacia" é belíssimo epitáfio.
(PAS)
Disco: Diplomacia
Artista: Batatinha
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 18, em média
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|