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"O PACTO DOS LOBOS"
Longa é uma pilha de cenas com uma infinidade de assuntos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O s exibidores acreditam, mas não sem razão, que ninguém vai ao cinema durante a Copa do Mundo. Mesmo se neste 2002 a Copa seja um tanto diferente (o horário das partidas de um modo geral nos pega dormindo e não provoca o tipo de contágio que afasta o espectador do cinema em favor dos jogos pela
TV), a crença se mantém intacta:
em linhas gerais, os lançamentos
raspam o tacho.
Assim é com "O Pacto dos Lobos", filme de Christophe Gans,
cuja maior virtude é colocar em
evidência o valor de "A Lenda do
Cavaleiro sem Cabeça", feito por
Tim Burton há cerca de três anos,
e do qual "O Pacto" é uma espécie
de "remake" europeu.
Suas particularidades, porém,
não deixam de ser significativas.
Primeiro, o filme se reivindica baseado em fatos reais ocorridos na
França, em 1764. Nessa ocasião, o
sábio cavaleiro de Fronsac, naturalista do rei, visita Gévaudan, onde se registram ataques ferozes de
algo chamado "A Besta".
A Besta deve morrer, concordam todos. Mas o que é ela? Fruto
de feitiçaria? Não é Fronsac que
vai entrar nessa. Estamos diante
de um mistério e, homem atualizado, Fronsac convoca para ajudá-lo um bom selvagem, seu amigo, o índio iroquês Mani. O convocado Mani se comunica com
espíritos e coisas assim.
O paralelismo com "A Lenda do
Cavaleiro sem Cabeça" prossegue
ao longo do filme: a sociedade local aqui também é extremamente
viciosa e, enquanto o sábio naturalista busca determinar a natureza da Besta, ela continua em ação.
Em ambos os filmes, o herói
acredita na ciência ou na razão
como antídoto à crendice. Em
ambos, a bruxaria ou a suposta
intervenção do sobrenatural serve
a objetivos escusos e à perpetuação de uma situação de poder.
Outra particularidade de "O
Pacto" é que a ação se passa em
1764 e tem no rei o centro das
atenções, embora ele nunca apareça. Já o narrador da história está
em 1793, mais ou menos, ou seja,
em pleno terror.
Aliás, ele é o jovem e sábio Thomas d'Apcher, que ajuda o cavaleiro de Fronsac a combater as
trevas de Gévaudan. Mais ou menos 30 anos depois, d'Apcher está
para ser decapitado.
Ou seja: o assunto de "O Pacto
dos Lobos" diz respeito ao fato de
como a razão triunfa sobre a superstição para, num segundo momento, o excesso de razão (a Revolução) degenerar em irracionalidade suprema.
Nos dois casos, a razão parece
ser um atributo a que o populacho não tem acesso. Em 1764, ele é
objeto da crendice ou então cúmplice das trevas aristocráticas. Já
na Revolução, ele é sujeito de um
transbordamento que conduz à
irracionalidade.
Em suma, a diferença mais sensível entre "A Lenda do Cavaleiro
sem Cabeça" e "O Pacto dos Lobos" (afora a diferença de talento
entre Burton e Gans, que não é
nem comentável) é que o primeiro é politicamente progressista,
enquanto o segundo é bem mais
ambíguo.
A um primeiro olhar "O Pacto
dos Lobos" parece referendar a
onda revisionista que vê mais
problemas do que soluções na Revolução Francesa. Não é um problema intransponível: é perfeitamente possível articular conservadorismo com bom cinema.
Problema mesmo é atravessar
as duas horas e meia de um filme
que não parece saber distinguir,
nunca, o essencial do acessório,
de modo que ali se acumulam sexo, morte, mistério, "steady cam",
beleza, feiúra, efeitos especiais, filosofia, culto à natureza, política,
crença no sobrenatural e até mesmo amor, sem que tais elementos
cheguem a formar um conjunto.
"O Pacto dos Lobos" é, em linhas gerais, uma pilha de cenas
que abordam uma infinidade de
assuntos e técnicas, não se detém
em nenhuma delas e se arrasta
tristemente, baseado apenas na
unidade da intriga, até seu final.
O Pacto dos Lobos
Le Pacte des Loups
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/bp.gif)
Direção: Christophe Gans
Produção: França/Alemanha, 2001
Com: Samuel le Bihan, Vincent Cassel,
Emilie Dequenne, Monica Bellucci
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Cineclube DirecTV,
Eldorado, Morumbi, Sala UOL e circuito
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