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ANÁLISE
Pérola negra
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Por convicção, por opção e por
destino, Itamar Assumpção construiu sua trajetória musical à margem e de costas para o mercado,
numa espécie de semi-clandestinidade, compondo e cantando
sempre para poucos.
No início do ano, no que deve
ter sido um de seus últimos
shows, estava só com seu violão
no pequeno palco do Supremo
Musical. Vestido todo de branco,
diante de não mais do que 50 pessoas, iniciou o espetáculo maldizendo a doença que o atormentava e seu terror diante da morte.
Encontrou espaço para fazer
ironia e auto-ironia com sua dor
e, dali em diante, se transformou
num gigante em cena, alternando
momentos de raiva e lirismo, áspero e delicado, como só ele sabia.
Para quem acompanhou, ainda
adolescente, o surgimento simultâneo de Beleléu e Clara Crocodilo, no ano de 1980, era nítida a
sensação de que havia ali um
grande acontecimento, mas muito difícil, até pelo impacto da novidade, refletir sobre seu alcance.
A procissão de horrores descartáveis da cultura brasileira nos últimos 20 anos e as sucessivas frustrações do país de lá para cá de
certa maneira reafirmaram a força interna das obras de Itamar e
Arrigo Barnabé. Suas apostas afinal estavam certas. A lira paulistana foi uma espécie de pós-tropicalismo lúcido e desenganado.
O encarte do disco de estréia de
Itamar traz uma navalha sobre
seu título de eleitor, objeto decorativo de uma cidadania inexistente no país de João Figueiredo.
Em 98, no auge da febre privatista,
Itamar lança seu último disco,
"Preto Brás". Ironia fina de alguém sempre ligado na tomada.
Itamar reinventou a função dos
vocais femininos e, bem antes da
onda rapper, trocou a figura doce
do malandro do morro, tão cara à
MPB, pela do marginal. Cantou a
cidade a partir da periferia e, já em
1980, dizia: "Baby, não se assuste/
hoje o tempo é de terror".
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