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"ET EU TU"
Obra cria metáforas líricas do corpo
HEITOR FERRAZ MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A primeira imagem de "Et
Eu Tu", da artista plástica
Marcia Xavier e do poeta Arnaldo
Antunes, é a de um pé pronto para dar um passo, para entrar nas
primeiras páginas do livro. Na seguinte, as asas de um avião resvalam no ar, com a inscrição "Não
pise". O leitor logo se depara com
uma poética entre a terra e o ar,
passando por imagens pinçadas
na lírica tradicional, abrindo caminho para comparações com
coisas fabricadas e tendo como
centro de referência o corpo.
É um livro que mostra todo o lirismo de que é capaz a antilírica
contemporânea, criando um diálogo intenso de dois códigos artísticos: o poema e a imagem fotografada. Esse entrelaçamento pode até sugerir um jogo amoroso
entre as duas linguagens, como se
uma quisesse entrar na outra.
O corpo não é visto somente enquanto corpo de alguém, mas é
revelado em suas estranhezas, em
seus desfoques, de que muitas vezes não nos damos conta. Nesse
sentido, o "et" do título poderia
ser lido como referência a extraterrestres, mas também a tudo
que é estranho, que revela o inusitado de nós mesmos.
O encontro poderia não dar certo, pois haveria o risco de uma linguagem tornar-se ornamento da
outra, mas aqui houve uma conjugação de poéticas. Há muito
tempo, Arnaldo vem buscando
no corpo seu tema de reflexão como em "2 ou + corpos no mesmo
espaço". Já Marcia, que expõe fotografias e objetos desde 1994, trabalha com a distorção das imagens, criando atmosferas novas.
O entrelaçamento de poesia e
imagem pode ser exemplificado
com vários poemas. Num deles,
Arnaldo escreve: "Vejo/ de longe/
longe/ vejo/ o que desejo desde/
dentro/ e entro/ entro/ dentro/ do
que vejo". A imagem ao lado é a
de um dia comum de praia, com
folhagens secas cobrindo a paisagem marinha. Esse movimento
do olhar que penetra nas coisas é
o mesmo que as palavras vão adquirindo, inclusive se aglutinando
em sentenças ou se repartindo em
fragmentos. As palavras seguem o
jogo proposto pela imagem.
Num dos mais belos poemas do
livro, Arnaldo escreve "a coisa em
si/ não existe// tudo tende/ pende/
depende". O poema continua por
mais duas páginas, terminando
pelos versos "coisa em si/ inexiste// só existe/ o que se/ sente". Há
neste texto um esclarecimento do
registro poético dos autores. Mesmo com um trabalho calcado nas
coisas, eles procuram filtrá-las pelos sentidos, e elas se abrem e se
desdobram em novas e inesperadas imagens -com uma proposital abertura para metáforas líricas do corpo.
Et Eu Tu
Autores: Marcia Xavier e Arnaldo
Antunes
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 79 (200 págs.)
Heitor Ferraz Mello é jornalista e autor
de "Hoje como Ontem ao Meio-dia"
(2002), entre outros.
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