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DRAUZIO VARELLA
Machos exibicionistas
As fêmeas são seletivas, os
machos exibicionistas, na
maioria das espécies animais.
Dos insetos aos primatas como
nós, o macho passa a vida reprodutiva investindo energia para
provar às fêmeas disponíveis que
ele é a melhor das opções sexuais.
Para ser convincente, lança mão
de artifícios variados como a beleza do canto, a habilidade na caça,
a força bruta ou a consistência da
conta bancária.
As fêmeas são especialmente
sensíveis a essas demonstrações,
por razões evolutivas: machos
mais saudáveis e competentes geram filhos com maior chance de
sobrevivência, herdeiros do patrimônio genético paterno. Os incompetentes não deixaram descendência. Nos pássaros, por
exemplo, a riqueza da plumagem
é tão apreciada pelas fêmeas que
em algumas espécies eles são coloridos, exuberantes, e elas pálidas
e raquíticas.
Como as aparências são mestres
na arte de enganar, no entanto,
os biólogos sempre encontraram
extrema dificuldade para entender os mecanismos fisiológicos
através dos quais o exibicionismo
masculino obteve tanto êxito na
seleção natural. Como as fêmeas
podem estar tão certas de que determinado macho as protegerá e
lhes dará filhos sadios, baseadas
apenas em detalhes da aparência
física ou em habilidades teoricamente inúteis para a sobrevivência da espécie como o canto melódico das aves?
Dois grupos de pesquisadores
publicaram neste ano na revista
"Science" o resultado de pesquisas realizadas com um tipo de
pássaro de penas totalmente pretas (Turdus merula), que nos permite compreender melhor esse
mistério da alma feminina.
Nas fêmeas dessa espécie o bico
é marrom, sem graça; no macho,
adquire tonalidades que vão do
amarelo claro ao alaranjado forte, avermelhado, reflexo da alta
concentração local de carotenóides (vitaminas presentes na cenoura e no tomate, por exemplo).
Estudos anteriores haviam demonstrado que quanto mais alaranjado o bico, maior o assédio
feminino.
Cientes dessa preferência sexual, os machos residentes em determinado território são complacentes à aproximação de um invasor de bico amarelo claro, mas
ficam enciumados e reagem
agressivamente se ele tiver bico
alaranjado. Como resultado, estes têm acesso à fêmeas em melhores condições físicas e geram
maior número de filhotes do que
os de bico mais pálido.
Bruno Faivre e colegas da Universidade de Bourgogne, na França, verificaram que ao injetar glóbulos vermelhos de carneiro na
circulação de 50 desses pássaros
pretos, eles produziam anticorpos
para se defender e ao mesmo tempo a cor de seus bicos se tornava
mais clara. A agressão provocada
pela injeção das células estranhas
mobilizava os carotenóides para
atender às necessidades do sistema imunológico e reduzia suas
concentrações no bico.
Em estudo separado, o grupo de
Jonathan Blount, da Universidade de Glasgow, na Escócia, testou
a hipótese de que os machos mais
saudáveis dessa espécie seriam
aqueles em que o sistema imunológico estaria menos ativado por
agentes infecciosos ou parasitários e, portanto, requereria menor
quantidade de carotenóides, vitaminas essenciais para seu funcionamento. Neles, os carotenóides
em excesso seriam depositados
em maior quantidade nos bicos,
conferindo-lhes a cor alaranjada.
Para tanto, separaram dez machos que permaneceram divididos em dois grupos, durante oito
semanas: o primeiro bebia água
destilada, o segundo, água com
um suplemento de carotenóides.
Depois de quatro semanas, os bicos dos que recebiam vitamina já
estavam bem mais avermelhados.
Colocados na presença das fêmeas, a preferência pelos de bico
de colorido mais intenso foi nítida.
Os autores, então, estudaram a
imunidade dos dois grupos e chegaram à mesma conclusão dos
franceses: os pássaros de bico alaranjado eram portadores de sistemas imunológicos mais íntegros,
livres do estresse causado por infecções ou parasitas. Selecionando o consorte pela cor do bico, a
fêmea evita o acasalamento com
machos doentes, reduz o risco de
adquirir germes no contato sexual e aumenta a probabilidade
de ter filhos que receberão cuidados paternos.
A fêmea sabe disso tudo ao se
decidir pelo macho usando como
critério a coloração do bico? Lógico que não! Não há evidência de
que outros animais, além do homem, conheçam a fisiologia sexual nem a relação entre probabilidade de sobrevivência e integridade do sistema imunológico. A
escolha do parceiro é baseada
simplesmente na atração sexual.
Na evolução da espécie, as fêmeas
que se sentiam atraídas por bicos
alaranjados deixaram descendência mais numerosa do que as
outras. Com o suceder de gerações, suas filhas foram selecionadas geneticamente para achar
lindos os machos de bico avermelhado e desprezíveis os demais.
O que chamamos de atração sexual está longe de ser mera questão de gosto por determinadas
particularidades físicas, é uma
força da natureza selecionada no
decorrer de milhões de anos pela
propriedade de produzir descendentes que levaram vantagem na
luta pela sobrevivência.
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