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GASTRONOMIA
Viva! Bom livro dá conselhos a cozinheiros
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Fico feliz ao ver que já não
vai ser preciso tanto falatório
quando um jovem vier com a pergunta: "To be or not to be um cozinheiro?". De agora em diante, é
só emprestar o livro "Kitchen
Confidential", de Anthony Bourdain.
O autor é chef do restaurante
Les Halles, em Nova York, e já escreveu dois romances antes deste
polêmico e politicamente incorreto relato sobre o submundo da cozinha.
Há alguns meses atrás, saiu na
revista "New Yorker" um artigo
dele, "Não coma antes de ler o
que tenho a dizer", no qual revelava segredos das cozinhas e os
dias em que não se pode comer
peixe. Foi um sucesso de escândalo. Quem leu passou a pensar
duas vezes antes de entrar no seu
botequim preferido.
Imagino que, animado pela repercussão, resolveu contar tudo.
Tudo mesmo e mais alguma coisa. Não deixa pedra sobre pedra.
O chef-escritor nasceu na classe
média alta e começou a se interessar por comida quando garoto,
viajando com a família num navio para a Europa. Provou sopa
gelada, o que foi um agradável
choque, mas continuou com seus
hábitos de menino americano mimado movido a ketchup passeio
afora.
Num belo dia, seus pais o deixaram no carro por três horas enquanto almoçavam no Le Pyramide, de Ferdinand Point. Os pais
que o mimavam, que faziam suas
mínimas vontades... Ali tinha coisa. Comer deveria ser uma aventura a mais. Começou naquelas
férias mesmo. Deixou o hambúrguer de lado, engoliu a primeira
ostra, comeu queijo bichado, baguete com chocolate, ignóbeis peixinhos fritos, linguiças de alho,
rim, boudin noir deixando o sangue escorrer pelo queixo.
Até aí tudo muito certinho, à
Peter Mayle. Sua biografia de
Jack Kerouac da comida começou
na adolescência com os empregos
de verão. Garçom, hippie tatuado, bebidas, drogas, aprendeu todos os golpes do ofício, a linguagem cifrada dos palavrões culinários. A certa altura, deu um tempo na vida desregrada e cursou o
Culinary Institute of America para conseguir uma estrutura básica de cozinheiro e continuar seu
percurso.
Quem são seus amigos e companheiros? Degenerados, drogados,
refugiados, bêbados, ladrões, psicopatas. O negócio, segundo o autor, só atrai quem foge de alguma
coisa na vida. Da escola, da família, do Terceiro Mundo. É gente
que se sente bem com o código de
conduta da cozinha, relaxado e
informal, com alto grau de tolerância para esquisitices, estranhos hábitos pessoais, falta de documentos, experiência na cadeia.
O que conta mais na profissão?
O que perguntar a um candidato
a uma vaga no restaurante? "Você aguenta o pique? Posso contar
com você dia e noite sem faltar
por doença ou desastre ou morte
em família? Está empregado."
Bourdain se impacienta com o
novato artista. Quando o candidato(a) comenta que adora a cozinha nova da orla do Pacífico,
está fora. Primeiro é preciso suportar um ano de agruras para
depois conversar sobre pasta vermelha de curry e erva-cidreira.
Prefere contratar um lavador de
pratos mexicano. Ensinar a cozinhar é fácil, o difícil é ensinar a
ter garra.
E vai por aí. Ele próprio um feixe de vícios a mostrar as vísceras
das cozinhas. No caminho, discorre sobre utensílios, limpeza,
fornecedores, manutenção e dá
conselhos básicos ao leitor. "Não
coma em restaurantes onde o banheiro é sujo. Banheiros são facílimos de lavar. Imagine a cozinha
do lugar!"
Mais conselhos: "Você quer ser
um chef? Vista a camisa do restaurante, aprenda espanhol, não
roube, não chegue atrasado, nunca invente desculpas nem ponha
a culpa nos outros, esqueça a preguiça, o desleixo e a moleza. Esteja preparado para testemunhar
todas as variedades de loucuras
humanas e injustiças terrenas.
Pense o pior de todos, mas não se
deixe afetar. Tente não mentir.
Evite restaurantes com o nome do
dono na porta. Leia muito e não
perca o senso de humor."
"Não desista de comer fora. Arrisque-se. Comer é bom. Se te oferecerem um prato de fígado de
baiacu, vá em frente. A vida é
uma só."
O livro tem altos e baixos, incoerências, e parece refletir a vida do
autor. Ele explica não ser um cozinheiro três estrelas, apesar de
seu talento, por ter sido muito
guiado pelo dinheiro. Um bom
editor, mais vagar para burilar o
livro, arredondá-lo, menos correria para aproveitar o momento
teriam feito dele um autor três estrelas.
Livro: Kitchen Confidential
Autor: Anthony Bourdain
Editora: ed. Bloomsbury (NY)
Quanto: US$ 24,95 (320 págs.)
Onde encontrar: www.amazon.com
E-mail - ninahort@uol.com.br
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