São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2000


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GASTRONOMIA
Viva! Bom livro dá conselhos a cozinheiros

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Fico feliz ao ver que já não vai ser preciso tanto falatório quando um jovem vier com a pergunta: "To be or not to be um cozinheiro?". De agora em diante, é só emprestar o livro "Kitchen Confidential", de Anthony Bourdain.
O autor é chef do restaurante Les Halles, em Nova York, e já escreveu dois romances antes deste polêmico e politicamente incorreto relato sobre o submundo da cozinha.
Há alguns meses atrás, saiu na revista "New Yorker" um artigo dele, "Não coma antes de ler o que tenho a dizer", no qual revelava segredos das cozinhas e os dias em que não se pode comer peixe. Foi um sucesso de escândalo. Quem leu passou a pensar duas vezes antes de entrar no seu botequim preferido.
Imagino que, animado pela repercussão, resolveu contar tudo. Tudo mesmo e mais alguma coisa. Não deixa pedra sobre pedra.
O chef-escritor nasceu na classe média alta e começou a se interessar por comida quando garoto, viajando com a família num navio para a Europa. Provou sopa gelada, o que foi um agradável choque, mas continuou com seus hábitos de menino americano mimado movido a ketchup passeio afora.
Num belo dia, seus pais o deixaram no carro por três horas enquanto almoçavam no Le Pyramide, de Ferdinand Point. Os pais que o mimavam, que faziam suas mínimas vontades... Ali tinha coisa. Comer deveria ser uma aventura a mais. Começou naquelas férias mesmo. Deixou o hambúrguer de lado, engoliu a primeira ostra, comeu queijo bichado, baguete com chocolate, ignóbeis peixinhos fritos, linguiças de alho, rim, boudin noir deixando o sangue escorrer pelo queixo.
Até aí tudo muito certinho, à Peter Mayle. Sua biografia de Jack Kerouac da comida começou na adolescência com os empregos de verão. Garçom, hippie tatuado, bebidas, drogas, aprendeu todos os golpes do ofício, a linguagem cifrada dos palavrões culinários. A certa altura, deu um tempo na vida desregrada e cursou o Culinary Institute of America para conseguir uma estrutura básica de cozinheiro e continuar seu percurso.
Quem são seus amigos e companheiros? Degenerados, drogados, refugiados, bêbados, ladrões, psicopatas. O negócio, segundo o autor, só atrai quem foge de alguma coisa na vida. Da escola, da família, do Terceiro Mundo. É gente que se sente bem com o código de conduta da cozinha, relaxado e informal, com alto grau de tolerância para esquisitices, estranhos hábitos pessoais, falta de documentos, experiência na cadeia.
O que conta mais na profissão? O que perguntar a um candidato a uma vaga no restaurante? "Você aguenta o pique? Posso contar com você dia e noite sem faltar por doença ou desastre ou morte em família? Está empregado."
Bourdain se impacienta com o novato artista. Quando o candidato(a) comenta que adora a cozinha nova da orla do Pacífico, está fora. Primeiro é preciso suportar um ano de agruras para depois conversar sobre pasta vermelha de curry e erva-cidreira. Prefere contratar um lavador de pratos mexicano. Ensinar a cozinhar é fácil, o difícil é ensinar a ter garra.
E vai por aí. Ele próprio um feixe de vícios a mostrar as vísceras das cozinhas. No caminho, discorre sobre utensílios, limpeza, fornecedores, manutenção e dá conselhos básicos ao leitor. "Não coma em restaurantes onde o banheiro é sujo. Banheiros são facílimos de lavar. Imagine a cozinha do lugar!"
Mais conselhos: "Você quer ser um chef? Vista a camisa do restaurante, aprenda espanhol, não roube, não chegue atrasado, nunca invente desculpas nem ponha a culpa nos outros, esqueça a preguiça, o desleixo e a moleza. Esteja preparado para testemunhar todas as variedades de loucuras humanas e injustiças terrenas. Pense o pior de todos, mas não se deixe afetar. Tente não mentir. Evite restaurantes com o nome do dono na porta. Leia muito e não perca o senso de humor."
"Não desista de comer fora. Arrisque-se. Comer é bom. Se te oferecerem um prato de fígado de baiacu, vá em frente. A vida é uma só."
O livro tem altos e baixos, incoerências, e parece refletir a vida do autor. Ele explica não ser um cozinheiro três estrelas, apesar de seu talento, por ter sido muito guiado pelo dinheiro. Um bom editor, mais vagar para burilar o livro, arredondá-lo, menos correria para aproveitar o momento teriam feito dele um autor três estrelas.


Livro: Kitchen Confidential Autor: Anthony Bourdain Editora: ed. Bloomsbury (NY) Quanto: US$ 24,95 (320 págs.) Onde encontrar: www.amazon.com E-mail - ninahort@uol.com.br


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