São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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Crítica/"Tempos de Paz"

Contido, Daniel Filho homenageia teatro em longa calcado em diálogos

DA REPORTAGEM LOCAL

O cinema deu a Daniel Filho público e dinheiro. Mas não necessariamente prestígio como autor. Será que isso importa a quem conhece sucesso do tamanho do seu? A realização de "Tempos de Paz" indica que sim. Esse breve filme, em tom contido, mostra que o diretor de "Se Eu Fosse Você 2" deseja ser reconhecido como figura culta, requintada.
Se, em "Primo Basílio" (2003), tal tentativa desaguou em um novelão, em "Tempos de Paz" o resultado é original. A despeito das limitações da mise-en-scène, o filme é eficaz em seu propósito de homenagear o teatro. O diretor parece pouco desenvolto no ambiente fechado de uma sala de interrogatórios, mas tampouco exibe sua câmera. Reside aí seu acerto.
Ao transpor para a tela o premiado texto de Bosco Brasil ("Novas Diretrizes em Tempos de Paz"), ele desviou de terrenos nos quais poderia tropeçar. Postou-se quase como espectador de uma peça que se desenrola à sua frente. Para nossa sorte, o texto é ótimo.
Dan Stulbach e Tony Ramos, que fizeram juntos a peça, protagonizam um duelo de gestos e palavras. Stulbach é o polonês que chega ao Brasil ao término da Segunda Guerra. Ramos é o funcionário do governo encarregado de conceder o visto para o estrangeiro no exato dia em que são aguardadas "novas diretrizes para tempos de paz".
O primeiro, ator, desistiu do teatro por imaginar que, após a guerra, a fábula seria expulsa do mundo. Resolveu virar agricultor. O outro é o torturador enrijecido pelas ordens cumpridas. O texto, fabular, constrói-se a partir desse encontro. Para reproduzi-lo, Filho apoia-se nas palavras, mais que nas imagens. Tanto que, nos poucos momentos em que troca a sala de interrogatório pela rua -em cenas em que ele próprio aparece, como um médico torturado- tudo soa fora de lugar.
É, assim, no que tem de teatral que "Tempos de Paz" funciona. No monólogo final do polonês Clausewitz, com passagens de "A Vida É Sonho", de Calderón de La Barca (1600-81), um balé de mãos capta o que a arte tem de indizível. Não deixa de ser louvável que Filho use poder de fogo para prestar homenagem não só ao teatro, mas também aos imigrantes que chegaram ao Brasil à época da Segunda Guerra e, com seus nomes impronunciáveis, tornaram outro o país. (APS)


TEMPOS DE PAZ

Direção: Daniel Filho
Produção: Brasil, 2009
Com: Tony Ramos, Dan Stulbach
Onde: Cidade Jardim, Espaço Unibanco Augusta e circuito
Classificação: 12 anos
Avaliação: regular


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