São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

August leva Victor Hugo a Hollywood

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Amor e revolução costumam ser uma mistura explosiva -e é nela que Bille August evidentemente aposta para conquistar as platéias contemporâneas com sua adaptação do romance clássico "Os Miseráveis", de Victor Hugo.
O centro do caudaloso livro, ambientado nas primeiras décadas do século passado, é a história do pobre Jean Valjean (Liam Neeson), que vai parar na cadeia por ter roubado um pedaço de pão.
Animalizado na prisão, Valjean eleva-se moralmente no contato com um bispo piedoso, tornando-se um cidadão honrado e socialmente bem-sucedido, mas sempre sob a sombra da perseguição vingativa do inspetor Javert (Geoffrey Rush).
No filme de Bille August, esse eixo dramático é mantido. O que ficou de fora foi o envolvimento de Valjean no movimento republicano e antiabsolutista da época, a ponto de a última parte, em que entram em cena as barricadas da revolução de 1832, parecer um corpo estranho no conjunto romanesco construído até então.
Como costuma acontecer nas superproduções de época, a grande história (social e política) serve apenas como pano de fundo para a pequena história (dos amores, ciúmes e vinganças pessoais).
Barricadas como cenário
As barricadas de Paris, aqui, entram como um cenário pitoresco para o romance entre a filha adotiva de Valjean, Cosette (Claire Danes), e o jovem republicano Marius (Hans Matheson).
A impressão de falsidade hollywoodiana é inevitável. Talvez seja o fato de todo mundo falar inglês na França oitocentista, talvez seja a improvável Uma Thurman fazendo uma operária francesa de cara suja, talvez seja a música grandiloquente (daquelas compradas a quilo pelos estúdios americanos) -o fato é que não dá para acreditar muito em "Os Miseráveis", apesar do cuidado na reconstituição de época, dos milhares de figurantes etc.
Narrado no estilo (ou falta de) característico do diretor, situado entre o clássico e o acadêmico, o filme, entretanto, tem um mérito inegável: torna evidente o sentido moral (ou religioso ou psicanalítico), e portanto universal, da via-crúcis de Valjean.
Javert, o algoz, não é senão uma encarnação da própria culpa do protagonista. Só quando acertar as contas com ela, Valjean se sentirá livre. Não por acaso, a cena em que isso acontece, à margem do Sena, é uma das mais efetivas do filme.
À parte isso, Liam Neeson carrega sobre os ombros não apenas a culpa de seu personagem, mas o filme todo. Sorte que é um ator suficientemente forte (em todos os sentidos) para isso.

Filme: Os Miseráveis Direção: Bille August Produção: EUA, 1998 Com: Liam Neeson, Geoffrey Rush, Uma Thurman, Claire Danes, Hans Matheson Quando: a partir de hoje, nos cines Morumbi 5, Estação Lumière 2, Eldorado 6 e circuito


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.