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Do egípcio, "O Destino" convida Ocidente a aceitar o desconhecido
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Para o espectador brasileiro, "O
Destino" reserva pelo menos duas
surpresas. A primeira é a descoberta de que existe cinema no Egito. A segunda é a de que esse cinema pode ser de altíssimo nível.
Ao longo da sessão, somos levados a uma terceira descoberta: a de
que é possível conciliar a feitura de
um filme sobre a vida e o pensamento de um filósofo do século 12
-Averroes- com um raro sentido do espetáculo, da leveza, da
música.
Talvez isso se deva ao fato de o
diretor Youssef Chahine ter se formado em cinema na Califórnia,
em 1948. Ou ao fato de, de lá até
agora, ter realizado uma carreira
comercialmente bem-sucedida em
seu país, ao mesmo tempo em que
obtinha o reconhecimento da crítica européia.
A aliança entre sucesso comercial e reconhecimento crítico significa, não raro, pusilanimidade.
Não é o que acontece, ao menos
nesse filme.
Chahine tromba de frente com
os fundamentalistas islâmicos, ao
contar a saga do filósofo da Andaluzia, cujos livros um califa Al
Mansur -influenciado pelos radicais- manda queimar.
Segue-se a bela tentativa de seus
discípulos de manter viva a sua
obra, copiando e contrabandeando seus escritos.
Em princípio, uma tal história
aplica-se a qualquer civilização em
que a intolerância faz escola, inclusive a nossa. É evidente, porém,
que as coisas estão mais quentes
nos países islâmicos, onde os fundamentalistas não dão trégua.
Nesse sentido, "O Destino" é
um trabalho não só moral como
político de primeira linha.
Mas seria um tanto mesquinho
observá-lo apenas por esse ângulo.
O filme se passa em um momento
de apogeu da cultura islâmica, e o
fato de a ação se passar na Andaluzia nos joga, de imediato, no coração de toda a beleza que essa cultura produziu.
Convida o espectador do Ocidente a meditar um pouco sobre
os julgamentos sumários que hoje
em dia costumam ser praticados
sobre os muçulmanos em geral.
Mas não apenas eles: tudo o que é
o outro tende a nos assustar e a ser
objeto de rejeição.
Antes de nos aproximar de uma
história e de costumes que pouco
conhecemos, "O Destino" tem a
virtude de nos interrogar sobre a
preguiça que nos leva, com tanta
facilidade, a negar o diferente, o
desconhecido.
Espetáculo e sentido humano
Nem é preciso ir muito longe:
em termos de cinema, a primeira
tendência é negar, de saída, um filme egípcio, como se fosse um objeto necessariamente estranho,
uma espécie de caricatura.
Bem ao contrário: em Chahine, é
como se a grande tradição clássica
norte-americana ainda vivesse,
aliando a tradição do grande espetáculo a uma história de sentido
humano seguro.
Vale dar um pulo à sala Cinemateca. "O Destino" é um dos grandes momentos do cinema neste
ano.
Filme: O Destino
Produção: Egito/França, 1997
Direção: Youssef Chahine
Com: Nour El Cherif, Laila Eloui, Mahmoud
Hemeida
Quando: a partir de hoje, na sala
Cinemateca
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