São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

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Do egípcio, "O Destino" convida Ocidente a aceitar o desconhecido

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Para o espectador brasileiro, "O Destino" reserva pelo menos duas surpresas. A primeira é a descoberta de que existe cinema no Egito. A segunda é a de que esse cinema pode ser de altíssimo nível.
Ao longo da sessão, somos levados a uma terceira descoberta: a de que é possível conciliar a feitura de um filme sobre a vida e o pensamento de um filósofo do século 12 -Averroes- com um raro sentido do espetáculo, da leveza, da música.
Talvez isso se deva ao fato de o diretor Youssef Chahine ter se formado em cinema na Califórnia, em 1948. Ou ao fato de, de lá até agora, ter realizado uma carreira comercialmente bem-sucedida em seu país, ao mesmo tempo em que obtinha o reconhecimento da crítica européia.
A aliança entre sucesso comercial e reconhecimento crítico significa, não raro, pusilanimidade. Não é o que acontece, ao menos nesse filme.
Chahine tromba de frente com os fundamentalistas islâmicos, ao contar a saga do filósofo da Andaluzia, cujos livros um califa Al Mansur -influenciado pelos radicais- manda queimar.
Segue-se a bela tentativa de seus discípulos de manter viva a sua obra, copiando e contrabandeando seus escritos.
Em princípio, uma tal história aplica-se a qualquer civilização em que a intolerância faz escola, inclusive a nossa. É evidente, porém, que as coisas estão mais quentes nos países islâmicos, onde os fundamentalistas não dão trégua.
Nesse sentido, "O Destino" é um trabalho não só moral como político de primeira linha.
Mas seria um tanto mesquinho observá-lo apenas por esse ângulo. O filme se passa em um momento de apogeu da cultura islâmica, e o fato de a ação se passar na Andaluzia nos joga, de imediato, no coração de toda a beleza que essa cultura produziu.
Convida o espectador do Ocidente a meditar um pouco sobre os julgamentos sumários que hoje em dia costumam ser praticados sobre os muçulmanos em geral. Mas não apenas eles: tudo o que é o outro tende a nos assustar e a ser objeto de rejeição.
Antes de nos aproximar de uma história e de costumes que pouco conhecemos, "O Destino" tem a virtude de nos interrogar sobre a preguiça que nos leva, com tanta facilidade, a negar o diferente, o desconhecido.
Espetáculo e sentido humano
Nem é preciso ir muito longe: em termos de cinema, a primeira tendência é negar, de saída, um filme egípcio, como se fosse um objeto necessariamente estranho, uma espécie de caricatura.
Bem ao contrário: em Chahine, é como se a grande tradição clássica norte-americana ainda vivesse, aliando a tradição do grande espetáculo a uma história de sentido humano seguro.
Vale dar um pulo à sala Cinemateca. "O Destino" é um dos grandes momentos do cinema neste ano.

Filme: O Destino Produção: Egito/França, 1997 Direção: Youssef Chahine Com: Nour El Cherif, Laila Eloui, Mahmoud Hemeida Quando: a partir de hoje, na sala Cinemateca


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