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ARNALDO JABOR
Conversa em off com o "Mr. M" do Congresso
"Você é um idiota!", disse-me o
deputado do terno brilhante. Seu
cachaço suarento também brilhava. O cabelo de brilhantina reluzia, sublinhado pelo bigodinho
anos 30, também pintado de negro. "Você é um idiota romântico...", repetiu o deputado, adoçando o insulto, que eu engolira
por ver que ele, mamado de uísque, ia abrir-me o coração.
"Você acha que o Congresso devia ser a casa do interesse público? Ninguém sabe o que é isso lá
dentro! Vou abrir minha alma!
Vou contar tudo que se passa lá!
Sou o "Mr. M" dos congressistas!
Ah, ah, ah! Mas tudo em off,
hein?!" -berrou-me Sua Excelência.
"Todos ficam esculhambando o
FHC e esquecem que ele é um joguete em nossas mãos. Há quatro
anos e meio o Executivo tenta
passar as reformas e esbarra em
nosso pântano, nessa barreira
mole que somos nós. A imprensa
esqueceu o Congresso, estou até
meio carente! Ninguém critica
mais o Congresso. Sabe por quê?
Porque nós não temos rosto. É
muito melhor pôr a culpa no Malan, em qualquer um com boca e
nariz... Nós somos um agregado
de vagos nomes e caras..."
"Você veja: o país melhorou na
macroeconomia, mas falta aperfeiçoar as reformas. O FH tenta
um gás novo para governar, mas
nós vamos sentar em cima de tudo! Não vai passar nada no Congresso! Ah, ah! Sabe quem vai relatar a reforma da Previdência? A
Jandira Feghali, do Partido Albanês! Ah, ah, ah... nem morta! Dane-se que a Previdência nos leve à
bancarrota com R$ 40 bilhões de
furo, não interessa que metade da
arrecadação seja para pagar marajás, o importante é sabotar o
"neoliberal canalha agente do
FMI."
"A reforma administrativa andou para trás, não sobrou nada,
com tanto substitutivo que virou
pó-de-mico. Há tanto obstáculo
para demitir funcionário que a
"estabilidade" continua explodindo os orçamentos. E a Lei de Responsabilidade Fiscal? Ah... ah....
ah... o Joaquim Francisco, presidente da comissão, está com peninha dos canalhas que malversam
o dinheiro público, e o relator Pedro Novaes também está colocando açúcar na lei. E, como político
só tem medo de polícia e de tiro, a
tal Lei de Responsabilidade Fiscal
vai virar mãe-benta, quindim... E
a reforma política? Pizza. Não virá nem fidelidade partidária,
nem voto distrital, nada. Você
acha que esta manada de picaretas vai diminuir suas brechas de
irresponsabilidade? Jamais. E o
PPA, o tal "Avança, Brasil"? Vai
ficar parado enquanto os oportunistas disputam a relatoria! É a
vaidade, o interesse partidário!!"
"E a reforma do Judiciário?
Quem ousar morre queimado feito aquele pobre-diabo do Leopoldino... Quem vai mudar aqueles
abutres? Ficam os babacas jornalistas falando em FMI, em proteção contra o "Consenso de Washington", e mal sabem que estão
combatendo o inimigo errado.
Que FMI, um "catso'!... O inimigo
somos nós, os agentes da paralisia
eterna do país, os defensores dos
eternos privilégios, netos do mercantilismo escravista. Digo isso
porque estou bêbado e porque tenho a perversão refinada de ser
contraditório e meio brechtiano,
criticando a mim mesmo, como
um "Maître Puntilla", pois sou culto -não me subestime-, apesar
de meu bigodinho lustroso e de
minha gravata amarela com flores azuis... Somos nós os inimigos!
As poucas reformas conseguidas
foram à custa de conchavos tão
escrotos que tudo foi virando esqueleto de peixe... Feito aquele
marlin de "O Velho e o Mar", que
acabou só espinhas na praia, comido de tubarões... Nós somos os
tubarões!"
""O Congresso são grupos de interesse" -diz o vulgo. Somos mesmo! Desde os evangélicos, os ruralistas, a turma dos hospitais, a
turma dos funcionários públicos,
a turma da Albânia, a turma dos
banqueiros... E o que nos une? O
que une José Genoino e Ronaldo
Caiado não é só interesse estratégico, não... É um prazer sádico de
paralisar essa equipe de técnicos
americanizados, bancando "moderninhos" pra cima de nosso populismo ignorante, pra cima de
nossos chavões gastos, de nossas
plataformazinhas feitas de velharias reducionistas e slogans que
aprendemos em apostilas dos
anos 50... Temos de defender nossa medíocre identidade contra esses reformadorezinhos de merda... Não queremos que nos reformem, pois eles nos desprezam, assim como esse presidente metido
a Rui Barbosa... Aqui não passarão!... Aqui é a barreira dos ignorantes dionisíacos, dos eternos
brasileirinhos do século 17!... Pensam o quê? Querem mudar nossos
hábitos seculares assim, falando
em "superávit primário", em "ajuste fiscal"... -que papo é esse? Já
ganhamos quatro anos de lutas...
E vamos manter tudo até o último dia, até a chegada de um populista de direita qualquer... Você
se espanta com minha lucidez autocrítica? Pois eu sei que virá mesmo um fascistinha por aí, no estilo daquele leão-de-chácara de cabaré que fascina o Lula -o Hugo
Chávez... Mas eu prefiro esse destino pendular "ditadura-democratismo" a uma democracia real
criada por esses moderninhos que
falam inglês."
"Quando vier a ditadura, posarei de mártir da democracia, feliz
em meu curral. E tem mais, meu
idiota romântico, o momento é
agora! Se nós bobearmos, o Brasil
pode mudar para "capitalista" e ficar menos patrimonialista. E nós?
Como ficamos? Como velharias
que foram reformadas, como ex-combatentes desnecessários? Nós
somos o Brasil colonial, somos o
Nordeste do melaço paralítico, somos os baianos oligárquicos, somos os fascistinhas paulistas, os
escravistas cariocas, os ladrões da
Zona Franca, os de-florestadores,
os motosserras, os precatórios, os
"chupacabras", somos os especuladores do "spread", somos os devedores do Banco do Brasil, os malandros da Sudene, somos os bons
e atrasados brasileiros "imexíveis". Que FMI... Os inimigos somos nós! Ah, ah, ah!... A imprensa
que arrasa o FH nos tolera com
carinho por nossos sórdidos espasmos que chamam de "política".
E tente nos esculhambar, idiota
romântico; serás chamado de "entreguista", de "fujimorista", de
agente do imperialismo, porque
nós somos o Congresso democrático, meu chapa, nós somos os homens de bem."
"Nós somos o Brasil, meu caro
-vocês são um detalhe. Agora, se
publicar isso com meu nome, eu
te mato, queimo o corpo e jogo na
vala."
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