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Periferia joga duro com "Linha de Passe"
Moradores da zona sul de São Paulo apreciam mas também criticam filme
Espectadores julgaram com rigor comportamentos
dos personagens e se incomodaram com o
"clima de derrota" da obra
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se fosse conduzida por um
profissional do marketing político, a sessão extra do filme "Linha de Passe" realizada na última terça-feira no Espaço Unibanco, em São Paulo, poderia
ser uma "pesquisa qualitativa".
O resultado diria que os moradores da periferia da cidade,
retratados na tela e presentes
na platéia, se identificam com a
obra de Walter Salles e Daniela
Thomas, mas fazem reparos à
trama, reclamam da desesperança e são críticos do comportamento dos personagens.
O grupo era formado por cerca de 250 pessoas -estudantes
do ensino médio, professores e
monitores- dos bairros de Heliópolis e Grajaú (zona sul), e de
Itaquaquecetuba (Grande SP).
Após a projeção gratuita,
promovida pela Folha, Unicef
(Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Espaço Unibanco, os estudantes puderam debater com atores do filme a
obra e sua própria realidade.
Maria Emília Oliveira dos
Santos, 31, afirmou que o que
se passava na tela -a vida de
uma mãe solteira, Cleuza, e
seus quatro filhos- é "só o básico". "Acontecem coisas muito
piores", disse ela. A monitora
também discordou da atriz que
interpreta Cleuza, Sandra Corveloni, quanto ao modo como a
mãe cria seus filhos.
Severa, disse que a personagem era "muito ausente", influenciando no "descaminho"
de seus filhos. Corveloni defendeu que, "para quem cria os filhos sem pai, ela manda bem".
Maria Emília disse depois, à
reportagem, que ela já havia se
sentido também ausente em
relação ao filho, hoje com 16
anos. "Tinha que trabalhar e
estudar ao mesmo tempo. Não
conversava com ele, não sabia.
Meu filho entrou no meio do
crime, quase morreu. Eu chorei
o tempo todo durante o filme.
Lembrava de tudo o que aconteceu comigo."
Karina Ferreira da Cruz, 21,
evangélica, disse achar que "o
filme acaba com um ar de derrota". "São coisas que a gente
sempre vê sobre a periferia.
Por que não mostrar outros
pontos de vista? Eu acredito
não em um final feliz, mas há
outros", disse.
Referindo-se a um dos filhos
de Cleuza, um evangélico que
entra em crise sobre a sua
crença, questionou: "Aquele
que ficou descrente, por que
não mostrá-lo reconciliado?".
Cerca de um terço da platéia
se declarou evangélica, ao ser
questionada pelo colunista da
Folha Gilberto Dimenstein.
Quando instados a dizer se o filme os retratava de forma fiel,
balançaram as mãos, em sinal
de "mais ou menos".
"No filme, eles tentam forçar
que a paraplégica saia da cadeira de rodas", disse Rodrigo Gomes Soares, 17, evangélico. "Em
geral, o pastor espera que Deus
faça o milagre, e a pessoa ande
por vontade própria."
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