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LIVROS/LANÇAMENTOS
"GAIOLA ABERTA"
Autran Dourado nos apresenta JK
JOSÉ ARBEX JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
"A minha intimidade com
JK ia a tal ponto que chega
mesmo ao ridículo de eu despachar com ele no banheiro, o que
não me agradava muito. Me incomodava sobretudo ele ficar se ensaboando na banheira. Não havia
nele o mais longínquo traço de
homossexualismo, é preciso que
se diga, hoje que isso está na moda. Uma vez, como ele mergulhasse o corpo na banheira, me
deu uma aflição enorme, cuidando que ele ia estragar o relógio de
ouro que tinha no pulso. Não resisti e disse o relógio! Você é mesmo um capiau do sul de Minas,
este relógio é à prova d'água, disse
ele. É a última novidade. JK sempre foi muito progressista e novidadeiro."
Nesse tom, os bastidores do governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) são totalmente devassados em "Gaiola
Aberta" pelo romancista mineiro
Autran Dourado, 74, vencedor,
em agosto, da 12ª edição do prêmio Luís de Camões, a mais alta
distinção na literatura de língua
portuguesa (os outros brasileiros
premiados foram João Cabral de
Melo Neto, Rachel de Queiroz,
Jorge Amado e Antonio Candido).
Dourado conviveu durante nove anos com JK, primeiro no governo de Minas Gerais e depois na
presidência. Tornou-se o seu assessor de imprensa, em uma época que o cargo não existia oficialmente. A pedido do próprio JK,
participava das mais importantes
reuniões de cúpula e da intimidade das decisões políticas.
Suas memórias constituem um
documento valioso, surpreendente e, de certa forma, divertido.
Elas revelam um JK irresponsável,
ousado, brilhante, mulherengo,
autoritário, sentimental. E totalmente permeável às opiniões de
seu "entourage", sobretudo às do
poeta Augusto Frederico
Schmidt, ghost-writer favorito de
seus discursos, e às do próprio
Dourado.
JK era descuidado com os papéis, mesmo os mais importantes,
e não raro assinava decretos sem
os ler (não é só FHC...). Ficamos
sabendo, por exemplo, que este
foi o caso do decreto que tornava
de domínio público as obras de
Machado de Assis (o texto do decreto foi de autoria de Dourado).
Um dos lances diplomáticos
mais ousados de seu governo, a
Operação Pan-americana, não foi
consequência de uma estratégia
pensada para alçar o Brasil à liderança do hemisfério (como JK dá
a entender em suas próprias memórias). Foi resultado de um
rompante intuitivo que Schmidt
teve durante uma conversa com
Dourado, na casa do poeta. Este
estava ""vestido" à sua maneira:
nu, apenas sobre os ombros um
robe de chambre. Não era uma figura muito agradável à vista: gordo, grande e peludo, o sexo à mostra...". JK aprovou a idéia.
Mais surpreendente ainda: durante quase um mês, o Brasil ficou
sem presidente. JK sofreu um infarto e a primeira-dama, Sarah
Kubitschek, não quis revelar a notícia. Para despistar a imprensa, o
próprio Dourado vestiu-se um
dia como JK e acenou para os jornalistas, de longe, ao embarcar
em um helicóptero. No Palácio do
Catete, Dourado assinava a papelada diariamente, no lugar do presidente: "Foi assim que foram feitos alguns generais e embaixadores".
E assim vão se sucedendo, no livro, os episódios e as revelações
bombásticas, mas em tom de prosa mineira. Conspirações, tentativas de suborno e de sedução envolvendo altas personalidades
(incluindo um almoço com um
empresário amigo de Roberto
Marinho), lirismo. Não falta nenhum ingrediente apropriado a
um bom romance. Só que -garante a autor- é tudo verdade.
Se a narrativa leve e solta é uma
grande virtude do livro, talvez seja
sua maior falha.
Dourado não tem a menor
preocupação de contextualizar os
fatos. Quem não conhece a história do período, muitas vezes ficará
"boiando". Refere-se, por exemplo, à Orquima, sem explicar que
se tratou de uma empresa criada
em 1949 por um grupo de imigrantes alemães e austríacos, refugiados da Segunda Guerra, para
produzir materiais (terras raras)
para a indústria nuclear.
Ainda assim, é um livro precioso para os historiadores e para todos os que queiram conhecer um
pouco mais o modo como se faz
política neste país.
Gaiola Aberta (Tempos de JK e Schmidt)
Autor: Autran Dourado
Editora: Rocco
Quanto: R$ 23 (228 págs.)
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