São Paulo, quarta, 14 de outubro de 1998

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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Sganzerla recebe o espírito de Welles em "Tudo É Brasil"

enviado especial a Brasília

Se depender de Rogério Sganzerla, o cineasta norte-americano Orson Welles será conhecido, no futuro, como "o homem que amava o Brasil". No documentário experimental "Tudo É Brasil", exibido anteontem no 31º Festival de Brasília, o diretor de "O Bandido da Luz Vermelha" acrescenta material inédito e uma boa dose de paixão à sua investigação sobre a passagem de Welles pelo país em 1942.
O filme, que fecha uma trilogia iniciada com "Nem Tudo É Verdade" e "A Linguagem de Orson Welles", é uma apologia do Brasil através do olhar de um cidadão do mundo e, ao mesmo tempo, um manifesto contra a mediocridade universal, que condena ao silêncio ou à frustração gênios como Welles e o próprio Sganzerla.
"Tudo É Brasil" conta várias histórias ao mesmo tempo, todas com início, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem.
Na sua montagem enganosamente descompassada de imagens de arquivo e sons de origem diversa (entrevistas, emissões radiofônicas, música e ruídos), vemos desenhar-se a doce e turbulenta passagem de Orson Welles pelo Brasil.
Vemos também a ambígua aproximação do cineasta a Getúlio Vargas; a política pan-americanista dos EUA; a entrada do Brasil na Segunda Guerra; a sabotagem criminosa do filme "It's All True", de Welles; a saga dos jangadeiros cearenses filmada pelo diretor e terminada em tragédia. Vemos um país exuberante e amoroso, pleno de alegria e energia criadora.
Sganzerla, generoso poeta da imagem e do som, apresenta o gênio de Welles e a riqueza da cultura brasileira como forças que se alimentam mutuamente e que resistem à boçalidade dos donos do dinheiro e do poder (os tubarões que aparecem ameaçadoramente no filme de quando em quando).
A velha fábula do soldadinho de chumbo, apresentada ao longo do filme em desenhos estáticos que adquirem notável vivacidade por meio da montagem e dos movimentos de câmera, evoca o tema da intolerância ao diferente.
Entre o material documental inédito utilizado por Sganzerla, destacam-se as emissões radiofônicas feitas por Welles a partir do Rio. Provavelmente numa delas (o filme não deixa claro), o cineasta americano aprende com Carmen Miranda a cantar "No Tabuleiro da Baiana".
É um momento divertido, comovente, mágico, coroando um filme que não mostra o Brasil como um país coitadinho pedindo socorro, mas como um manancial de cultura e alegria de viver que pode ajudar a curar o mundo.
Agora cabe esperar que Sganzerla tenha exorcizado definitivamente o fantasma de seu ídolo maior e sinta-se livre para retomar seu próprio cinema, luminoso como poucos.
A boa notícia é que pouca gente deixou o Cine Brasília durante a projeção, e não houve vaias no final, apenas aplausos. Sinal de que poesia e inteligência ainda têm um lugar junto ao público. (JGC)



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