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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Sganzerla recebe o espírito de Welles em "Tudo É Brasil"
enviado especial a Brasília
Se depender de Rogério Sganzerla, o cineasta norte-americano Orson Welles será conhecido, no futuro, como "o homem que amava
o Brasil". No documentário experimental "Tudo É Brasil", exibido
anteontem no 31º Festival de Brasília, o diretor de "O Bandido da Luz
Vermelha" acrescenta material
inédito e uma boa dose de paixão à
sua investigação sobre a passagem
de Welles pelo país em 1942.
O filme, que fecha uma trilogia
iniciada com "Nem Tudo É Verdade" e "A Linguagem de Orson Welles", é uma apologia do Brasil
através do olhar de um cidadão do
mundo e, ao mesmo tempo, um
manifesto contra a mediocridade
universal, que condena ao silêncio
ou à frustração gênios como Welles e o próprio Sganzerla.
"Tudo É Brasil" conta várias histórias ao mesmo tempo, todas com
início, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem.
Na sua montagem enganosamente descompassada de imagens
de arquivo e sons de origem diversa (entrevistas, emissões radiofônicas, música e ruídos), vemos desenhar-se a doce e turbulenta passagem de Orson Welles pelo Brasil.
Vemos também a ambígua aproximação do cineasta a Getúlio Vargas; a política pan-americanista
dos EUA; a entrada do Brasil na Segunda Guerra; a sabotagem criminosa do filme "It's All True", de
Welles; a saga dos jangadeiros cearenses filmada pelo diretor e terminada em tragédia. Vemos um
país exuberante e amoroso, pleno
de alegria e energia criadora.
Sganzerla, generoso poeta da
imagem e do som, apresenta o gênio de Welles e a riqueza da cultura
brasileira como forças que se alimentam mutuamente e que resistem à boçalidade dos donos do dinheiro e do poder (os tubarões que
aparecem ameaçadoramente no
filme de quando em quando).
A velha fábula do soldadinho de
chumbo, apresentada ao longo do
filme em desenhos estáticos que
adquirem notável vivacidade por
meio da montagem e dos movimentos de câmera, evoca o tema
da intolerância ao diferente.
Entre o material documental inédito utilizado por Sganzerla, destacam-se as emissões radiofônicas
feitas por Welles a partir do Rio.
Provavelmente numa delas (o filme não deixa claro), o cineasta
americano aprende com Carmen
Miranda a cantar "No Tabuleiro da
Baiana".
É um momento divertido, comovente, mágico, coroando um filme
que não mostra o Brasil como um
país coitadinho pedindo socorro,
mas como um manancial de cultura e alegria de viver que pode ajudar a curar o mundo.
Agora cabe esperar que Sganzerla tenha exorcizado definitivamente o fantasma de seu ídolo
maior e sinta-se livre para retomar
seu próprio cinema, luminoso como poucos.
A boa notícia é que pouca gente
deixou o Cine Brasília durante a
projeção, e não houve vaias no final, apenas aplausos. Sinal de que
poesia e inteligência ainda têm um
lugar junto ao público.
(JGC)
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