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São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

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"MIGRAÇÃO ALADA"

Diretor Jacques Perrin faz análise dos deslocamentos de diferentes pássaros em busca de alimento

Investigação preserva o mistério da natureza

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nos anos 80, Godfrey Reggio instituiu, com "Koyaanisqatsi", um tipo de documentário em que a natureza era objeto privilegiado, mas não a finalidade. Ela era um pretexto, antes de mais nada, para que observássemos a ação da câmera. Víamos uma natureza dominada pelo homem, pelas artes do homem -pelo cinema, enfim.
Jacques Perrin parece disposto a mudar essa escrita, primeiro como produtor ("Microcosmos") e agora como diretor deste filme de título estrambótico. "Migração Alada" trata das inúmeras espécies de aves que migram para outras regiões que não as de origem, em determinada época do ano, em busca sobretudo de alimento.
Pode-se sair da África, da Oceania ou da América: são invariavelmente viagens longas, realizadas em grupo, e não isentas de perigo.
Boa parte do encanto do filme de Jacques Perrin deve-se, não há dúvida, ao trabalho obstinado dos inúmeros cinemagrafistas envolvidos no projeto, usando os mais diversos equipamentos (de balões a pára-quedas) para acompanhar o vôo dos pássaros.
Mas o encanto da produção não vem do trabalho dos cameramen, e sim das próprias aves. "Migração" trata de várias espécies, de modo que o espectador pode pilhar-se a qualificá-las: as mais simpáticas, as mais graves, ou esquisitas, ou desengonçadas.
Mas o essencial do filme vem de nossa impossibilidade de nos aproximarmos dos pássaros. A natureza é irredutível à ordem da cultura: está lá e pronto. Estamos num outro domínio que não o de Walt Disney, especialista em assimilar espécies animais, atribuindo-lhes qualidades humanas.
A natureza de Jacques Perrin não se deixa dominar, como a de Reggio: está lá para vermos. Talvez possamos compará-la à de Hitchcock, em particular à de "Os Pássaros" (certas cenas, no início em especial, lembram bem este filme). Existe algo de terrível na natureza: ela não nos responde, não nos obedece, nos ignora.
No mais, a migração das aves não serve para que compreendamos nada do comportamento humano. A vida natural limita-se a estar lá, nada mais. Ela tem seus dramas (e um pássaro comido por caranguejos nos mostra sua extensão), mas não permite assimilações. Melhor mesmo é ver: essa natureza enigmática, que nós com tanta frequência agredimos ou bajulamos, talvez peça antes de tudo o tratamento que lhe dá Perrin: de distante reverência. Distante, porém, não desinteressada.


Migração Alada
Le Peuple Migrateur
   
Produção: Alemanha/Espanha/França/Itália/Suíça
Direção: Jacques Perrin, Jacques Cluzaud e Michel Debats
Quando: a partir de hoje nos cines Cineclube DirecTV 1, Belas Artes/Sala Aleijadinho e Unibanco Arteplex 6



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