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"MIGRAÇÃO ALADA"
Diretor Jacques Perrin faz análise dos deslocamentos de diferentes pássaros em busca de alimento
Investigação preserva o mistério da natureza
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Nos anos 80, Godfrey Reggio
instituiu, com "Koyaanisqatsi", um tipo de documentário
em que a natureza era objeto privilegiado, mas não a finalidade.
Ela era um pretexto, antes de mais
nada, para que observássemos a
ação da câmera. Víamos uma natureza dominada pelo homem,
pelas artes do homem -pelo cinema, enfim.
Jacques Perrin parece disposto a
mudar essa escrita, primeiro como produtor ("Microcosmos") e
agora como diretor deste filme de
título estrambótico. "Migração
Alada" trata das inúmeras espécies de aves que migram para outras regiões que não as de origem,
em determinada época do ano,
em busca sobretudo de alimento.
Pode-se sair da África, da Oceania ou da América: são invariavelmente viagens longas, realizadas
em grupo, e não isentas de perigo.
Boa parte do encanto do filme
de Jacques Perrin deve-se, não há
dúvida, ao trabalho obstinado dos
inúmeros cinemagrafistas envolvidos no projeto, usando os mais
diversos equipamentos (de balões
a pára-quedas) para acompanhar
o vôo dos pássaros.
Mas o encanto da produção não
vem do trabalho dos cameramen,
e sim das próprias aves. "Migração" trata de várias espécies, de
modo que o espectador pode pilhar-se a qualificá-las: as mais
simpáticas, as mais graves, ou esquisitas, ou desengonçadas.
Mas o essencial do filme vem de
nossa impossibilidade de nos
aproximarmos dos pássaros. A
natureza é irredutível à ordem da
cultura: está lá e pronto. Estamos
num outro domínio que não o de
Walt Disney, especialista em assimilar espécies animais, atribuindo-lhes qualidades humanas.
A natureza de Jacques Perrin
não se deixa dominar, como a de
Reggio: está lá para vermos. Talvez possamos compará-la à de
Hitchcock, em particular à de "Os
Pássaros" (certas cenas, no início
em especial, lembram bem este
filme). Existe algo de terrível na
natureza: ela não nos responde,
não nos obedece, nos ignora.
No mais, a migração das aves
não serve para que compreendamos nada do comportamento humano. A vida natural limita-se a
estar lá, nada mais. Ela tem seus
dramas (e um pássaro comido
por caranguejos nos mostra sua
extensão), mas não permite assimilações. Melhor mesmo é ver:
essa natureza enigmática, que nós
com tanta frequência agredimos
ou bajulamos, talvez peça antes de
tudo o tratamento que lhe dá Perrin: de distante reverência. Distante, porém, não desinteressada.
Migração Alada
Le Peuple Migrateur
Produção: Alemanha/Espanha/França/Itália/Suíça
Direção: Jacques Perrin, Jacques Cluzaud e Michel Debats
Quando: a partir de hoje nos cines Cineclube DirecTV 1, Belas Artes/Sala
Aleijadinho e Unibanco Arteplex 6
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