São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2000 |
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POLÍTICA CULTURAL Associação tem direitos de 120 obras fonográficas até 2002; para advogados, transferência é irregular Funarte abre mão de acervo para gravadora ELVIRA LOBATO DA SUCURSAL DO RIO A Funarte -Fundação Nacional de Arte, do Ministério da Cultura- abriu mão, por seis anos, dos direitos comerciais sobre seu acervo fonográfico, composto por cerca de 120 obras e acumulado nas últimas décadas. Desde maio de 1996, os direitos de uso, distribuição e comercialização do acervo pertencem à Associação de Amigos da Funarte, uma entidade sem fins lucrativos que funciona como um braço privado da fundação. Os direitos foram transferidos para a associação até maio de 2002, por autorização do presidente da Funarte, Márcio de Souza. Com base nesse documento, a entidade assinou o contrato de exclusividade que mantém desde fevereiro de 1997 -e que permanece válido por cinco anos- com a gravadora Atração Fonográfica, de São Paulo, a qual lançou uma coleção de 65 CDs, a partir do acervo da Funarte. Entre os discos lançados, estão gravações de Radamés Gnattali, Paulo Moura, Quinteto Villa-Lobos, Sérgio Assad, Elizeth Cardoso e Mário de Andrade. Como contrapartida, a associação está obrigada apenas a repassar para a Funarte 5% da receita líquida que vier a auferir com a venda dos discos no país e 10% do que for apurado no exterior. Segundo advogados consultados pela Folha, a Funarte não poderia transferir o direito de uso de seu patrimônio a uma entidade privada, sem licitação pública, mesmo se tratando de uma associação sem fins lucrativos. A autorização não inclui a cessão dos direitos morais e patrimoniais sobre o acervo, que continuam com a Funarte. Mesmo endereço A Associação dos Amigos da Funarte foi criada em 93 e seu conselho é formado por notáveis da cultura, como os escritores Josué Montello, Lygia Fagundes Telles e Nélida Pinõn. O objetivo da entidade é apoiar a fundação, principalmente com a captação de recursos. Ela não tem instalação própria nem funcionários. Seu endereço é o andar da presidência da Funarte, e sua diretora executiva é a chefe de gabinete de Márcio de Souza, Maria Regina Simões Sales. Na avaliação de advogados ouvidos pela Folha, os direitos sobre o acervo foram transferidos para a associação para permitir a contratação da Atração Fonográfica sem concorrência pública. Como entidade de direito privado, a Associação de Amigos da Funarte está dispensada de fazer licitação, o que não acontece com a Funarte, que, como fundação pública, está sujeita à lei 8.666/93, que rege as licitações. No entendimento dos advogados, a autorização do presidente da Funarte equivale a um contrato, nos termos do parágrafo 1º da lei, pois envolve uma entidade pública e uma particular e estabelece obrigações recíprocas. A lei prevê hipóteses de dispensa de licitação, como a emergência e as contratações de instituições sem fins lucrativos destinadas a pesquisa, ensino e desenvolvimento institucional, de inquestionável reputação ética e profissional. A hipótese de emergência não poderia ser invocada nesse caso, pois entre a autorização e a assinatura do contrato com a Atração Fonográfica decorreram dez meses. Segundo os advogados, o fato de a associação ter repassado, em seguida, os direitos de comercialização a uma gravadora privada, mediante um contrato particular, também descaracteriza a dispensa de licitação. Contrato da atração Em fevereiro de 97, a diretora executiva da Associação de Amigos da Funarte, Maria Regina Simões Sales, assinou o contrato de exclusividade de licenciamento com a Atração Fonográfica para a produção da coleção de CDs. O contrato -que está registrado no 3º Cartório de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo- exime a gravadora de qualquer responsabilidade judicial pela utilização do acervo. A associação recebe 17% da receita da venda dos discos para pagamento dos direitos dos intérpretes, mas o dinheiro não fica em seu caixa, pois é apenas uma intermediária no pagamentos dos artistas. A associação recebe ainda 10% da tiragem para distribuição gratuita a escolas de música e outras instituições de interesse do governo. O único dinheiro que entra é a comissão de 20% sobre as vendas nas lojas da Funarte, nas quais cada CD custa R$ 16. A cota significa, portanto, uma comissão de R$ 3,20 por disco. O termo de autorização assinado por Márcio de Souza diz que a Funarte fica com 5% do que a associação apurar no mercado interno. Logo, seu quinhão, nesse negócio, é de R$ 0,16 por CD. A Atração Fonográfica, segundo informa sua diretora, Vilma Eid, já gravou o que foi possível recuperar do acervo da Funarte. Foram 65 CDs com uma tiragem média, até o momento, de 3.000 exemplares cada uma. O Instituto Itaú Cultural bancou o custo de produção. Com incentivos fiscais da Lei Rouanet, autorizados pelo Ministério da Cultura, o instituto comprou um mínimo de 2.000 exemplares por edição, chegando a 4.000 exemplares em algumas delas. Segundo o Itaú, seu compromisso de patrocínio terminou no ano passado. Em 97, ele pagou à gravadora R$ 3,70 por CD. No ano seguinte, a cifra foi aumentada para R$ 4,80. O instituto informou que a Lei Rouanet lhe permitiu abater 70% das despesas do Imposto de Renda. Os CDs foram distribuídos gratuitamente a instituições indicadas pela Funarte. 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