São Paulo, sexta-feira, 15 de março de 2002

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"SEXY BEAST"

Filme se perde com típico gangsterismo londrino de fachada

CRÍTICO DA FOLHA

Aposentado do gangsterismo londrino, Gal (Ray Winstone) vive, com a mulher e um casal de amigos, seu sonhado e lascivo auto-exílio em uma ensolarada região espanhola.
O pesadelo invade o sonho quando o temido Don Logan (Ben Kingsley) chega na área para acabar com a moleza do grupo. A última esperança que depositávamos na fita, a de que a participação de Kingsley salvasse "Sexy Beast" do limbo, logo se desfaz.
O diretor estreante Jonathan Glazer, que fez carreira dirigindo comerciais e clipes ingleses, acha, como bom publicitário, que encontrar as referências e o tratamento adequados para cada sequência é o suficiente para realizar um bom longa-metragem. O problema é que nem em sua seara ele se salva.
Seu tratamento é pesado e de mau-gosto, suas referências são parcas: para ilustrar a atmosfera de sonho da sequência inicial, Glazer, como confessa no material de divulgação do filme, pensou nos filmes paradisíacos estrelados por Elvis Presley, e, para o pesadelo subsequente, ele usou como referência os filmes de horror.

Gangster
Mas a referência primeira de Glazer parece ser mesmo o marido de Madonna, Guy Ritchie, o publicitário que se tornou o cineasta da moda na Inglaterra com filmes chauvinistas sobre o submundo do gangsterismo londrino. "Sexy Beast" é uma tentativa, e apenas isso, de realizar um filme de gangster ao estilo (subtarantinesco) de Ritchie.
Mas a Glazer não resta nem mesmo o talento que Ritchie demonstra ao manipular as imagens.
Seu filme é grotesco, tanto mais pelo fato de o personagem coadjuvante de Ben Kingsley ganhar, naturalmente, em decorrência do talento do ator, espaço, desnaturando o que era para ser mais um thriller de assalto barato a invadir o mercado em um thriller psicológico.
Quando Glazer tenta retomar a sua proposta original já é tarde. Kingsley impõe-se sem dificuldades sobre a sua direção, aproveitando as deixas do roteiro escrito pela dupla Louis Mellis e David Scinto.
Esta parece ter se inspirado, ao conceber a relação entre os personagens, no clássico "The Big Knife" (1955), filme que Robert Aldrich realizou a partir de um texto anti-hollywoodiano escrito pelo dramaturgo esquerdista Clifford Odets. Deedee (Amanda Redman), a esposa de Gal, tem a mesma função da personagem de Ida Lupino no clássico de Aldrich: cobrar e defender o marido da influência malévola de um "big boss" endemoniado.
O medo de Gal por Logan é o mesmo do personagem de Jack Palance, um ator, pelo personagem de Rod Steiger, um produtor, em "The Big Knife": o de ter a alma roubada pelo diabo.
O mais curioso é que, 20 anos depois de se consagrar na pele do pacifista Mahatma Gandhi, em atuação beatificada pelo Oscar, Ben Kingsley pode receber sua segunda estatueta (agora como coadjuvante) na pele do endiabrado Don Logan.
(TIAGO MATA MACHADO)


Sexy Beast
Sexy Beast  
Direção: Jonathan Glazer
Produção: Inglaterra/Espanha, 2000
Com: Ben Kingsley, Ray Winstone
Quando: a partir de hoje nos cines Cinearte, Unibanco Arteplex, Jardim Sul e circuito




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