São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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LITERATURA

Quase três anos após a crise deflagrada em 2001, escritor afirma estar esperançoso quanto ao futuro da Argentina

"Vimos que o caos tem limite", diz Martínez

Reuters
Milhares de argentinos fazem protesto contra a violência, em Buenos Aires, em abril deste ano


DA REDAÇÃO

Apesar de esperançoso quanto à recuperação da Argentina depois da crise deflagrada em 2001, Tomás Eloy Martínez vê com preocupação a movimentação por conta da questão da segurança. "Algumas medidas extremas, quase fascistas, têm sido consideradas por setores da sociedade", diz, referindo-se ao que ficou conhecido como caso Blumberg. Abaixo, o escritor comenta a Argentina hoje, depois de quase três anos do chamado "estallido". (SYLVIA COLOMBO)
 

Folha - A história de "El Cantor de Tango" se passa no fim de 2001, por que investigar a crise por meio de um romance?
Martínez -
Foram os tempos mais conturbados da história recente da Argentina, talvez os piores. Quatro meses em que o país se encontrou à beira de um abismo e com a forte impressão de que podia desaparecer do mapa.
Com o romance, quis conceber um aleph desses momentos históricos. O que está presente constantemente é esse labirinto da história. O livro é um labirinto de histórias dentro da História.

Folha - Com os olhos de hoje, que balanço você faz da crise de 2001?
Martínez -
Ela marcou uma tomada de consciência de que o caos tem um limite. O país está, lentamente, levantando a cabeça. Hoje há, acredito, um horror ao abismo, à derrota absoluta, à perdição e à idéia de permitir que os argentinos possam considerar que o futuro pode um dia ser pior.

Folha - Você é, então, otimista?
Martínez -
Mais do que isso, sou esperançoso. Creio que o país está muito melhor do que há três anos. Há um controle mais forte sobre a corrupção, uma vontade coletiva de detê-la. Mas há problemas graves que persistem, como a pobreza. Ou a deterioração do nosso sistema educacional, que sempre foi bom. E há uma certa inquietude social sobre a insegurança, o medo dos seqüestros, roubos etc., que é algo preocupante.

Folha - O caso Blumberg é emblemático dessa tomada de consciência?
Martínez -
Esse caso é muito significativo porque tem muitos pontos de contato com o que aconteceu em dezembro de 2001. Naquela época, houve um levantamento de uma classe média indignada porque lhe haviam capturado e liquidado as poupanças. Agora, este cidadão, Blumberg, se tornou o líder de uma série de pessoas dessa mesma classe média que viram afetada a sua segurança. O que se deve atentar é que, por meio dele, se está exigindo medidas muito mais violentas do que os delitos cometidos -algumas delas quase fascistas.

Folha - E o curioso é que, nos dois casos, não há politização, as pessoas clamam por direitos sem que isso reflita posições ideológicas.
Martínez -
Exatamente, são apenas pessoas exigindo seus direitos. Em 2001, era a abolição dos políticos, o "que se vayan todos". Agora se reivindicam penas maiores para os delinqüentes. O perigo da despolitização nesse caso é que faz com que sejam defendidas medidas extremas, e não se pode penalizar roubos ou seqüestros com esquadrões da morte, por exemplo.


EL CANTOR DE TANGO.
Autor: Tomás Eloy Martínez. Lançamento: Planeta (importado); no Brasil, em outubro, pela Companhia das Letras. Quanto: 19,5 euros (253 págs.). Onde encomendar:
www.casadellibro.com ou www.livcultura.com.br.



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