São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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LIVROS

Intelectual diz à Folha que Colômbia e Venezuela estão entre próximos alvos

Para Chomsky, "terrorismo ianque" pode atacar Andes

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Michael Moore ainda babava na chupeta quando Noam Chomsky já fazia o esporte predileto de ambos, bater pesado no governo americano. O tempo não amainou a fúria do lingüista, professor do Massachusetts Institute of Technology desde 1955.
Prova disso é seu último petardo, o volume "O Império Americano - Hegemonia ou Sobrevivência", não por acaso decorado com seis pequenos torpedos em sua capa, tanto na edição americana, de 2003, quanto na versão brasileira, que a editora Campus colocou há pouco no mercado.
Com uma voz pausada e bem mais jovem do que seus 75 anos, o próprio Chomsky explica à Folha, em conversa por telefone. "O melhor meio dos Estados Unidos combaterem o terrorismo é deixarem de ser um dos principais terroristas do mundo", diz o intelectual, à guisa de prefácio.
O terrorismo americano é um dos temas centrais do livro de ensaios e do discurso chomskiano. Foram "terroristas", segundo ele, "a luta contra Cuba desde 1959", "o golpe militar no Brasil, basicamente iniciado pela administração Kennedy", o "investimento contra os curdos", "as ações criminosas de agora em Fallujah".
Chomsky poderia passar o resto do dia enumerando "terrorismos ianques", mas sua voz ganha embalo mesmo é quando fala desse último episódio. "Fallujah foi muito pior do que as torturas", diz, sobre o caso que vem balançando o coreto na Casa Branca. "Invadimos Fallujah e matamos centenas para vingar a morte de quatro americanos, movimento por sua vez de vingança à morte de Abdel Aziz Rantisi, do Hamas. Todos dizem que ele foi morto por Israel. Isso não é preciso. Ele foi morto por israelenses usando um helicóptero americano."
Chomsky diz que a cada dia volta a se surpreender com a nada engraçada "comédia de erros que virou a invasão do Iraque". "Quando os americanos invadiram o Iraque desta vez, dei por certo que seria a ocupação militar mais fácil da história; e deveria ser. Analistas de ONGs com grande experiência internacional se mostraram chocados com o fracasso da ocupação americana."
Mesmo diante desse quadro, ele sustenta que o "projeto hegemônico do império americano" (daí o "Hegemonia ou Sobrevivência" de seu livro) exige mais invasões.
Quais seriam as próximas? Atenção para a resposta de Chomsky: "A região andina, da Colômbia à Venezuela, é um alvo muito provável de uma intervenção americana". Segundo o lingüista, é uma região "bastante descontrolada politicamente, com alta importância estratégica para os EUA, fonte de mais exportações de petróleo do que o Oriente Médio". O elevado número de soldados já na região também facilitaria uma intervenção.
As outras duas "apostas" são menos surpreendentes. "Em dezembro passado o Congresso passou quase unanimemente o chamado "Syria Accountability Act", que é praticamente uma autorização de invasão. Os EUA dizem que os sírios patrocinam o terrorismo, mas o fato é que há mais de 15 anos ninguém acusa o país disso. Eles inclusive têm colaborado com os EUA fornecendo informações importantes para o combate de redes como a Al Qaeda."
Uma ação contra o Irã também não seria impossível, segundo Chomsky, "com a diferença de que eles sabem se defender".
O ativista diz que o desastre iraquiano de Bush não deve influenciar nos resultados da eleição. E que não faria muita diferença a eventual vitória de John Kerry.
"Os dois candidatos vêm de famílias ricas e influentes. Os dois foram para a mesma universidade. Participaram da mesma sociedade secreta, para socializar jovens ricos nas práticas da classe dominante. Os dois estão na disputa apoiados pelos mesmos interesses corporativos. As eleições são assim aqui, compradas. Nunca alguém sem dinheiro, como Lula, chegará ao topo."
Ainda que considere o presidente brasileiro "um dos líderes políticos mais impressionantes do cenário mundial", Chomsky anda insatisfeito com o petista. "Era bastante óbvio que ele teria dois tipos de caminho. Desafiar a comunidade econômica internacional e seguir seu caminho, como Kirchner está fazendo, ou aceitar as regras desenhadas pelo FMI, que eliminam as possibilidades de democracia. Desde que Lula tomou o segundo rumo, foi forçado a seguir políticas opostas às que ele foi eleito para defender."
O intelectual acha que hoje seria inviável a repetição do que se passou há 40 anos. "Um golpe, como o que os americanos arquitetaram para derrubar Goulart, não aconteceria mais, em parte porque a população brasileira não aceitaria isso de novo, mas também porque não precisariam mais disso. Os mecanismos neoliberais garantem que governos não possam seguir os desejos da população."
O que mudou mesmo nesses 40 anos, porém, foi a opinião pública. A Folha pergunta o que Chomsky acha do sucesso de Michael Moore, crítico "pop" do governo Bush. "Ele faz um trabalho muito bom. O que é interessante é que ele tem um público popular e isso reflete uma mudança importante que vem acontecendo no país. Essa mudança também me pegou. Há 40 anos estava fazendo palestras em igrejas para quatro pessoas. Hoje aonde quer que eu vá tenho multidões para me ouvir e não dou conta dos convites."


O IMPÉRIO AMERICANO.
Autor: Noam Chomsky. Tradução: Regina Lyra. Editora: Campus. Quanto: R$ 49.



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