São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Seminário na USP reúne acadêmicos de diversas áreas para debater os 50 anos de "Grande Sertão: Veredas"

Ciclo investiga rastros de Guimarães Rosa

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Depois de Guimarães Rosa [1908-67], não houve nada tão ambicioso." Se as palavras do professor de literatura da USP João Adolfo Hansen por um lado elogiam o autor de "Grande Sertão: Veredas", por outro apontam para um cenário atual um tanto desalentador para nossas letras.
A contemporaneidade da obra que causou uma verdadeira revolução na nossa linguagem quando foi lançada, em 1956, é um dos temas do ciclo de debates que comemora este seu 50º aniversário.
O Seminário Internacional João Guimarães Rosa começa hoje e vai até sexta-feira (leia ao lado), no anfiteatro da faculdade de Geografia da USP (av. prof. Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária). "A idéia é discutir a obra em todas as suas vertentes, não só a literária, mas também a histórica, a geográfica e a psicanalítica, entre outras", diz Heinz Dieter Heidemann, vice-diretor do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), que mantém o acervo e a biblioteca pessoais de Guimarães Rosa e organiza o evento. Na abertura, o crítico literário Antonio Candido dará um depoimento sobre seus encontros com o escritor, assim como o bibliófilo José Mindlin, também proprietário dos originais do livro. "Conheci Rosa pessoalmente em 1946, em Paris, e cheguei à conclusão de que ele era um homem de duas personalidades", diz Mindlin. "Por um lado, aparentava ser um sujeito socialmente muito agradável, que não parecia ser um intelectual, por outro era aquele escritor incrível."

Modernismo
Considera-se que "Grande Sertão: Veredas" tenha representado uma continuidade na revolução iniciada pelo modernismo, propondo uma ruptura entre os limites das culturas erudita e popular. Mas qual seria a pertinência desse debate nos dias de hoje?
"Já se falou que o livro é uma espécie de "Macunaíma" [de Mário de Andrade, 1928] a sério. Rosa é um antropólogo fino que faz falar as culturas do povo numa forma nova, cultíssima, nunca vista antes nem repetida depois, uma forma singular que liberta as línguas que existem na língua. Hoje, as culturas do povo e a cultura erudita estão dominadas pelo kitsch dos meios de massa", diz Hansen.
Para o filósofo Bento Prado Jr., participante do seminário, a discussão sobre a barreira entre erudito e popular segue atual. "Ela se revela cada vez mais importante, mesmo para além da literatura brasileira, onde desde o arcadismo a literatura se alimenta e entra em simbiose com a cultura popular, especialmente sua expressão musical. Lembremos a figura recente de Vinicius de Moraes e o circuito que operou entre a melhor poesia e a música popular."

Depois de Rosa
Hansen reforça que, depois de "Grande Sertão" houve "coisas ótimas", mas não uma continuidade com relação à revolução modernista. "A literatura feita durante e depois da ditadura militar teve que enfrentar outras questões, como a da experiência da repressão e as contradições da modernização do país, que ficou extremamente mais complexo e complicado do que era nos anos 40 e 50, quando Rosa escreveu suas coisas principais."
Para Hansen, teria sido a partir dos anos 80, com a redemocratização, que a cultura nacional passaria a ter os contornos de hoje. "Houve uma desierarquização do valor artístico e político das artes. Hoje, a literatura não tem condições de ter a pretensão de totalizar as várias versões contraditórias da experiência social", conclui.

Raduan Nassar
Já Prado Jr. faz alusões sobre onde poderia estar a continuidade da obra de Rosa. "Não conheço a literatura mais recente de maneira a responder com precisão. Penso, todavia, entre outros, na bela obra de Raduan Nassar [autor de "Lavoura Arcaica", 1975, e "Um Copo de Cólera", 78]."
Apesar de participar da discussão acadêmica, entretanto, Hansen não é otimista quanto ao debate sobre o aniversário da obra fora da universidade. "Não sei se a sociedade em geral vai se interessar muito. No Brasil, a classe dominante é boçal. E o povão, bem, esse tem é que sobreviver."


Texto Anterior: Música: Zeviani seduz NY sem bossa nova
Próximo Texto: Análise: "Grande Sertão: Veredas" nunca termina
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.