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LITERATURA
Seminário na USP reúne acadêmicos de diversas áreas para debater os 50 anos de "Grande Sertão: Veredas"
Ciclo investiga rastros de Guimarães Rosa
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Depois de Guimarães Rosa
[1908-67], não houve nada tão
ambicioso." Se as palavras do
professor de literatura da USP
João Adolfo Hansen por um lado
elogiam o autor de "Grande Sertão: Veredas", por outro apontam
para um cenário atual um tanto
desalentador para nossas letras.
A contemporaneidade da obra
que causou uma verdadeira revolução na nossa linguagem quando
foi lançada, em 1956, é um dos temas do ciclo de debates que comemora este seu 50º aniversário.
O Seminário Internacional João
Guimarães Rosa começa hoje e
vai até sexta-feira (leia ao lado),
no anfiteatro da faculdade de
Geografia da USP (av. prof. Lineu
Prestes, 338, Cidade Universitária). "A idéia é discutir a obra em
todas as suas vertentes, não só a literária, mas também a histórica, a
geográfica e a psicanalítica, entre
outras", diz Heinz Dieter Heidemann, vice-diretor do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), que
mantém o acervo e a biblioteca
pessoais de Guimarães Rosa e organiza o evento. Na abertura, o
crítico literário Antonio Candido
dará um depoimento sobre seus
encontros com o escritor, assim
como o bibliófilo José Mindlin,
também proprietário dos originais do livro. "Conheci Rosa pessoalmente em 1946, em Paris, e
cheguei à conclusão de que ele era
um homem de duas personalidades", diz Mindlin. "Por um lado,
aparentava ser um sujeito socialmente muito agradável, que não
parecia ser um intelectual, por outro era aquele escritor incrível."
Modernismo
Considera-se que "Grande Sertão: Veredas" tenha representado
uma continuidade na revolução
iniciada pelo modernismo, propondo uma ruptura entre os limites das culturas erudita e popular.
Mas qual seria a pertinência desse
debate nos dias de hoje?
"Já se falou que o livro é uma espécie de "Macunaíma" [de Mário
de Andrade, 1928] a sério. Rosa é
um antropólogo fino que faz falar
as culturas do povo numa forma
nova, cultíssima, nunca vista antes nem repetida depois, uma forma singular que liberta as línguas
que existem na língua. Hoje, as
culturas do povo e a cultura erudita estão dominadas pelo kitsch
dos meios de massa", diz Hansen.
Para o filósofo Bento Prado Jr.,
participante do seminário, a discussão sobre a barreira entre erudito e popular segue atual. "Ela se
revela cada vez mais importante,
mesmo para além da literatura
brasileira, onde desde o arcadismo a literatura se alimenta e entra
em simbiose com a cultura popular, especialmente sua expressão
musical. Lembremos a figura recente de Vinicius de Moraes e o
circuito que operou entre a melhor poesia e a música popular."
Depois de Rosa
Hansen reforça que, depois de
"Grande Sertão" houve "coisas
ótimas", mas não uma continuidade com relação à revolução
modernista. "A literatura feita durante e depois da ditadura militar
teve que enfrentar outras questões, como a da experiência da repressão e as contradições da modernização do país, que ficou extremamente mais complexo e
complicado do que era nos anos
40 e 50, quando Rosa escreveu
suas coisas principais."
Para Hansen, teria sido a partir
dos anos 80, com a redemocratização, que a cultura nacional passaria a ter os contornos de hoje.
"Houve uma desierarquização do
valor artístico e político das artes.
Hoje, a literatura não tem condições de ter a pretensão de totalizar
as várias versões contraditórias da
experiência social", conclui.
Raduan Nassar
Já Prado Jr. faz alusões sobre onde poderia estar a continuidade
da obra de Rosa. "Não conheço a
literatura mais recente de maneira a responder com precisão. Penso, todavia, entre outros, na bela
obra de Raduan Nassar [autor de
"Lavoura Arcaica", 1975, e "Um
Copo de Cólera", 78]."
Apesar de participar da discussão acadêmica, entretanto, Hansen não é otimista quanto ao debate sobre o aniversário da obra
fora da universidade. "Não sei se a
sociedade em geral vai se interessar muito. No Brasil, a classe dominante é boçal. E o povão, bem,
esse tem é que sobreviver."
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