São Paulo, sexta-feira, 15 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica

"Anjos" tem mais pé no chão que "Código", mas é esquecível

Cheia de reviravoltas, trama perde força por deixar de lado a relação fé/ciência

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

As sessões de imprensa andam cada vez mais surrealistas. Os jornalistas já se acostumaram a depositar seus celulares antes das sessões de blockbusters. Para "Anjos e Demônios", a Sony inovou e botou uns seguranças abrindo bolsas de moças em busca de "objetos cortantes".
Talvez fosse interessante implementar esse tipo de medida durante as sessões normais, como forma de criar entre os espectadores a sensação de um perigo iminente, já que é de perigo que trata o filme: da hipótese de aquilo tudo explodir, literalmente e simbolicamente.
Das ameaças simbólicas ocupa-se Tom Hanks, o especialista em decifração Robert Langdon, chamado a Roma para ver se consegue resolver o sequestro, seguido de ameaça de morte, de quatro cardeais -sequestro de caráter teológico praticado por uma organização denominada Illuminati. Esta era composta, originalmente, por homens de ciência que buscavam se defender do obscurantismo da Igreja Católica. Séculos atrás, foi vítima de um massacre, ou algo assim, e Langdon sustenta que os atentados seriam um tipo de vingança.
A informação é uma no meio de centenas de outras ao longo do filme, cujo objetivo é dispor a questão das delicadas relações entre fé e ciência desde os tempos de Galileu. Atualizando o conflito está a dra. Vittoria Vetra (Ayelet Zurer), com um dispositivo (que Alfred Hitchcock chamaria "McGuffin") capaz de mandar pelos ares metade da arte ocidental, mais ou menos. Dispositivo de que se apossam, claro, os Illuminati.

Situação atípica
Para que a coisa seja ainda mais complicada, o Vaticano vive uma situação atípica: o papa acaba de morrer, e os cardeais precisam eleger um novo (sendo que os quatro sequestrados eram, precisamente, os favoritos). Estamos em Roma, onde nenhuma estátua pode apontar o dedo para cá ou para lá sem que Hanks, detetive-hermeneuta, tenha algo a dizer.
Homens sinistros, todos potenciais culpados, são aqueles responsáveis por manter secretas as mazelas dos arquivos do Vaticano, com os cientistas detetives tendo como aliado só o substituto do papa, dito camerlengo (Ewan McGregor).
Em poucas palavras, à velha saga dos escritórios de advocacia substitui agora a saga dos segredos de Estado religiosos.
Começou com "O Código Da Vinci", ficção descabelada, mas um tanto tola. Prossegue aqui com uma ficção mais pé no chão, mas, em compensação, mais interessante.
Seria melhor se Ron Howard desse um pouco mais de tempo para a questão de base (relação fé/ciência) ou que caracterizasse com mais calma o crime teológico que se perpetra, em vez de deixar Hanks correndo de cá para lá, sempre atrás do relógio, como se fosse um "remake" de "Corra, Lola, Corra".
Seria melhor também se não insistisse nos enjoativos "travellings" circulares. Melhor ainda se a última reviravolta não fosse tão desnecessária, além de criar uma intervenção arbitrária do roteiro, intervenção tipo "deus ex machina", só para ajeitar as coisas conforme as conveniências e dar tempo de fé e ciência fazerem as pazes.
Em resumo, é um filme a que se assiste sem incômodo, que se esquece sem sobressaltos.


ANJOS E DEMÔNIOS
Produção:
EUA, 2009
Direção: Ron Howard
Com: Tom Hanks, Ewan McGregor e Ayelet Zurer
Onde: estreia hoje nos cines Bristol, Espaço Unibanco Pompeia e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: regular



Texto Anterior: Crítica: "A Garota Ideal" segue clichês do cinema independente dos EUA
Próximo Texto: Comentário: Longa faz uma parábola do nosso tempo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.