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Crítica
"Anjos" tem mais pé no chão que "Código", mas é esquecível
Cheia de reviravoltas, trama perde força por deixar de lado a relação fé/ciência
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
As sessões de imprensa
andam cada vez mais
surrealistas. Os jornalistas já se acostumaram a depositar seus celulares antes das
sessões de blockbusters. Para
"Anjos e Demônios", a Sony
inovou e botou uns seguranças
abrindo bolsas de moças em
busca de "objetos cortantes".
Talvez fosse interessante implementar esse tipo de medida
durante as sessões normais, como forma de criar entre os espectadores a sensação de um
perigo iminente, já que é de perigo que trata o filme: da hipótese de aquilo tudo explodir, literalmente e simbolicamente.
Das ameaças simbólicas ocupa-se Tom Hanks, o especialista em decifração Robert Langdon, chamado a Roma para ver
se consegue resolver o sequestro, seguido de ameaça de morte, de quatro cardeais -sequestro de caráter teológico praticado por uma organização denominada Illuminati. Esta era
composta, originalmente, por
homens de ciência que buscavam se defender do obscurantismo da Igreja Católica. Séculos atrás, foi vítima de um massacre, ou algo assim, e Langdon
sustenta que os atentados seriam um tipo de vingança.
A informação é uma no meio
de centenas de outras ao longo
do filme, cujo objetivo é dispor
a questão das delicadas relações entre fé e ciência desde os
tempos de Galileu. Atualizando
o conflito está a dra. Vittoria
Vetra (Ayelet Zurer), com um
dispositivo (que Alfred Hitchcock chamaria "McGuffin") capaz de mandar pelos ares metade da arte ocidental, mais ou
menos. Dispositivo de que se
apossam, claro, os Illuminati.
Situação atípica
Para que a coisa seja ainda
mais complicada, o Vaticano vive uma situação atípica: o papa
acaba de morrer, e os cardeais
precisam eleger um novo (sendo que os quatro sequestrados
eram, precisamente, os favoritos). Estamos em Roma, onde
nenhuma estátua pode apontar
o dedo para cá ou para lá sem
que Hanks, detetive-hermeneuta, tenha algo a dizer.
Homens sinistros, todos potenciais culpados, são aqueles
responsáveis por manter secretas as mazelas dos arquivos do
Vaticano, com os cientistas detetives tendo como aliado só o
substituto do papa, dito camerlengo (Ewan McGregor).
Em poucas palavras, à velha
saga dos escritórios de advocacia substitui agora a saga dos
segredos de Estado religiosos.
Começou com "O Código Da
Vinci", ficção descabelada, mas
um tanto tola. Prossegue aqui
com uma ficção mais pé no
chão, mas, em compensação,
mais interessante.
Seria melhor se Ron Howard
desse um pouco mais de tempo
para a questão de base (relação
fé/ciência) ou que caracterizasse com mais calma o crime teológico que se perpetra, em vez
de deixar Hanks correndo de cá
para lá, sempre atrás do relógio,
como se fosse um "remake" de
"Corra, Lola, Corra".
Seria melhor também se não
insistisse nos enjoativos "travellings" circulares. Melhor
ainda se a última reviravolta
não fosse tão desnecessária,
além de criar uma intervenção
arbitrária do roteiro, intervenção tipo "deus ex machina", só
para ajeitar as coisas conforme
as conveniências e dar tempo
de fé e ciência fazerem as pazes.
Em resumo, é um filme a que
se assiste sem incômodo, que se
esquece sem sobressaltos.
ANJOS E DEMÔNIOS
Produção: EUA, 2009
Direção: Ron Howard
Com: Tom Hanks, Ewan McGregor e
Ayelet Zurer
Onde: estreia hoje nos cines Bristol, Espaço Unibanco Pompeia e circuito
Classificação: não indicado a menores
de 16 anos
Avaliação: regular
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