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Crítica/teatro
"Liz" é curioso espécime do teatro latino
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Aos poetas dramáticos é
concedido criarem
mundos e os seres que
os habitam. Partem de mitos
existentes para reapresentá-los
em seus próprios termos. É o
que fazem o dramaturgo cubano Reinaldo Montero e o encenador Rodolfo García Vázquez,
no espetáculo "Liz", com a saga
de Elizabeth 1ª, rainha inglesa
do século 16.
Realizada pela companhia
brasileira Os Satyros e estreada
em Cuba no ano passado, essa
encenação binacional está fadada a ter recepções distintas
nos dois países.
O premiado dramaturgo
cubano Reinaldo Montero trabalha as referências históricas
e artísticas do período elizabetano numa perspectiva claramente analógica à realidade
de Cuba.
Além da condição de ilha, a
Inglaterra de Elizabeth tem em
comum com a Cuba de Fidel a
situação rara de um reinado de
cinco décadas, em que os equívocos podem custar aos que os
cometem as suas próprias
cabeças.
É claro que, como se acostumaram os dramaturgos no período da ditadura militar no
Brasil, em Cuba sempre é mais
prudente trabalhar com alegorias e discursos indiretos, o que
faz abundarem, no texto de
Montero, reflexões sobre a desmedida do poder e seus ecos na
imaginação dos que o exercem.
Leitura autoral
A direção de Rodolfo García
Vázquez escapa da tentação de
investir nos duplos sentidos do
texto e opta por uma leitura autoral, em que contextualiza a
ação em um ambiente psicodélico e evoca a revolução de costumes dos anos sessenta.
Vázquez valoriza o texto poético e cheio de metáforas cifradas de Montero, acelerando o
ritmo da encenação e exigindo
um máximo de energia dos atores. Com poucos recursos cenográficos e um grande investimento nos adereços, como o filó que encapa a cabeça dos personagens já mortos que permanecem em cena, consegue revelar a essência da trama desenhada por Montero. Assim,
minimiza as dificuldades que
um espectador menos familiarizado com a história de Elizabeth 1ª -ou com o teatro inglês
que lhe era contemporâneo-
pudesse ter.
O elenco responde às demandas do encenador de forma homogênea, mas Ivan Cabral, na
pele do dramaturgo elizabetano Christopher Marlowe, destaca-se sobremaneira e garante
os melhores momentos do espetáculo. O próprio Cabral assina a trilha musical, traçada à
base de músicas da jovem guarda brasileira e dos Beatles, mas
com bons momentos instrumentais.
"Liz" é um curioso espécime
do teatro latino-americano.
Trabalha personagens da história europeia, sincronizados
tempo-espacialmente em estrutura dramática, para falar de
questões cubanas por meio de
uma irreverente companhia
brasileira.
A par os méritos de Os Satyros em assumirem esse desafio,
o espetáculo sugere que já estaria na hora de o teatro cubano
deixar de falar de sua realidade
local por metáforas localizadas
em reinos distantes e assumir
seus demônios in loco, sem
precisar de bodes expiatórios
como uma rainha inglesa.
LIZ
Quando: sex. a dom., às 21h30; até
31/5
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida
Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/ xx/
11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 18 anos
Avaliação: regular
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