São Paulo, sexta-feira, 15 de maio de 2009

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Crítica/teatro

"Liz" é curioso espécime do teatro latino

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Aos poetas dramáticos é concedido criarem mundos e os seres que os habitam. Partem de mitos existentes para reapresentá-los em seus próprios termos. É o que fazem o dramaturgo cubano Reinaldo Montero e o encenador Rodolfo García Vázquez, no espetáculo "Liz", com a saga de Elizabeth 1ª, rainha inglesa do século 16.
Realizada pela companhia brasileira Os Satyros e estreada em Cuba no ano passado, essa encenação binacional está fadada a ter recepções distintas nos dois países.
O premiado dramaturgo cubano Reinaldo Montero trabalha as referências históricas e artísticas do período elizabetano numa perspectiva claramente analógica à realidade de Cuba.
Além da condição de ilha, a Inglaterra de Elizabeth tem em comum com a Cuba de Fidel a situação rara de um reinado de cinco décadas, em que os equívocos podem custar aos que os cometem as suas próprias cabeças.
É claro que, como se acostumaram os dramaturgos no período da ditadura militar no Brasil, em Cuba sempre é mais prudente trabalhar com alegorias e discursos indiretos, o que faz abundarem, no texto de Montero, reflexões sobre a desmedida do poder e seus ecos na imaginação dos que o exercem.

Leitura autoral
A direção de Rodolfo García Vázquez escapa da tentação de investir nos duplos sentidos do texto e opta por uma leitura autoral, em que contextualiza a ação em um ambiente psicodélico e evoca a revolução de costumes dos anos sessenta.
Vázquez valoriza o texto poético e cheio de metáforas cifradas de Montero, acelerando o ritmo da encenação e exigindo um máximo de energia dos atores. Com poucos recursos cenográficos e um grande investimento nos adereços, como o filó que encapa a cabeça dos personagens já mortos que permanecem em cena, consegue revelar a essência da trama desenhada por Montero. Assim, minimiza as dificuldades que um espectador menos familiarizado com a história de Elizabeth 1ª -ou com o teatro inglês que lhe era contemporâneo- pudesse ter.
O elenco responde às demandas do encenador de forma homogênea, mas Ivan Cabral, na pele do dramaturgo elizabetano Christopher Marlowe, destaca-se sobremaneira e garante os melhores momentos do espetáculo. O próprio Cabral assina a trilha musical, traçada à base de músicas da jovem guarda brasileira e dos Beatles, mas com bons momentos instrumentais.
"Liz" é um curioso espécime do teatro latino-americano.
Trabalha personagens da história europeia, sincronizados tempo-espacialmente em estrutura dramática, para falar de questões cubanas por meio de uma irreverente companhia brasileira.
A par os méritos de Os Satyros em assumirem esse desafio, o espetáculo sugere que já estaria na hora de o teatro cubano deixar de falar de sua realidade local por metáforas localizadas em reinos distantes e assumir seus demônios in loco, sem precisar de bodes expiatórios como uma rainha inglesa.


LIZ
Quando: sex. a dom., às 21h30; até 31/5
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/ xx/ 11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 18 anos
Avaliação: regular



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