São Paulo, sexta, 15 de maio de 1998

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Max Stafford-Clark é mentor da nova dramaturgia

da Reportagem Local

A seguir, entrevista realizada com o diretor de "Blue Heart", o inglês Max Stafford-Clark. (NS)

Folha - O americano Tony Kushner, de "Angels in America", diz ter sido influenciado por Caryl Churchill. O inglês Mark Ravenhill, de "Shopping and Fucking", também. O que faz ela ter tal ascendência sobre tantos autores?
Max Stafford-Clark -
Ela funde o público e o privado, além de ser uma enorme inovadora, como nos diálogos sobrepostos de "Top Girls", de 1982. A fusão que ela faz entre coisas de interesse pessoal e coisas de interesse público inspirou "Angels", por exemplo. E ela também inspirou, na Inglaterra, toda uma geração de autoras de teatro. Antes de Caryl, o Royal Court, que é o teatro em Londres que mais produz peças novas, tinha algo como 8% de seus textos escritos por mulheres. Depois que ela surgiu, na década mais recente algo como 36% dos textos foram escritos por mulheres.
Folha - "Blue Heart" é dada por crítica e público como uma das melhores peças de 97, em Londres. O que ela apresenta para alcançar tamanho impacto?
Stafford-Clark -
É muito inventiva, experimenta com forma. Os dois textos, "Heart's Desire" e "Blue Kettle", voltam-se sobre si mesmos. A linguagem, no segundo, é surpreendente, impressionantemente perturbadora. Ela pegou os críticos de surpresa. A natureza já perturbadora do tema se reflete na natureza perturbadora da linguagem. Essa união de conteúdo e forma atingiu as pessoas de maneira muito forte.
Folha - "Blue Heart" foi produzida pela Out of Joint e pelo teatro Royal Court, companhias que você dirige e que concentram toda a recente dramaturgia inglesa. Você confirma o surgimento de uma nova geração de autores?
Stafford-Clark -
Os críticos estão sempre comparando um ano contra outro. "Oh, este ano parece melhor do que o ano passado" ou "agora as peças estão assim". Mas a verdade é que desde 56, com o investimento público depois da guerra, desde "Look Back in Anger" no Royal Court, o debate corrente sobre como vivemos nossas vidas tem se refletido nas peças. E algum ano pode ser fraco, mas o teatro tem sido vigoroso.
Nos anos 80, quando surgiu Jim Cartwright, por exemplo, havia um propósito político comum. Todos sabiam que eram contra a senhora Margaret Thatcher. Desde a queda dela, tem sido mais difícil para as pessoas pensarem sua posição. Houve um período, por volta de 91, quando a dramaturgia parecia perdida. Mas um novo período de vigor sucedeu aquele e tem impressionado jornalistas.
Folha - Você dirigiu há pouco "Shopping and Fucking" no Royal Court, que também produziu "The Beauty Queen of Leenane", de Martin McDonagh, e "The Steward of Christendom", de Sebastian Barry. Esta geração têm características próprias, comuns?
Stafford-Clark -
Acho que não. É claro que houve um crescimento extraordinário na dramaturgia de origem irlandesa. Martin McDonagh e Sebastian Barry são dois dos muitos autores que tiveram peças produzidas e que celebram a língua. Mas não há característica comum.
O que aconteceu, de fato, foi o avanço junto a um público mais jovem. As peças atraíram. E ir ao teatro, hoje, é uma opção para jovens. Você pode ir ao clube, ao teatro, ao cinema. Isso é algo que marca como é forte e bem-sucedida a nova dramaturgia. Mas eles são muito diferentes.
Folha - Você diria, então, que a diversidade é uma outra marca dessa dramaturgia?
Stafford-Clark -
Certamente.
Folha - "Shopping and Fucking" foi montada em Nova York este ano e a crítica não recebeu bem. Até o título foi atacado. Como você entende essa recepção?
Stafford-Clark -
Em primeiro lugar, a montagem não era tão boa. Eu posso dizer, porque participei dela também. E houve um certo lapso cultural. A peça não era tão pertinente em Nova York quanto em Londres. Mas eu acho que a excitação que envolveu a peça... É uma primeira peça. Quando ela aconteceu em Londres, entrou em cena sozinha. Em Nova York havia já toda aquela publicidade em torno dela. Se você cria uma expectativa grande como aquela, os críticos não têm muito o que fazer, além de bater. Se não há expectativa, os críticos têm pouco a fazer, além de elogiar.
Folha - Seu trabalho por duas décadas tem sido com novos autores, enquanto outros diretores privilegiam um teatro de imagens.
Stafford-Clark -
Sim.
Folha - Por que a preferência?
Stafford-Clark -
As pessoas gostam de falar em "teatro total", mas esse "teatro total", na verdade, significa tudo menos o texto. A minha educação no Royal Court me faz pensar no texto sempre como o ponto de partida. Eu trabalho com imagens. As imagens são importantes, mas, como a coisa vai, hoje, ou você acredita no texto ou em imagens. Para mim, as imagens iluminam o texto.
Por outro lado, eu suponho que também tenha feito bem menos textos clássicos do que os outros diretores -e isso acontece porque uma nova peça, enfim, segurar o espelho diante da nossa própria sociedade, é o que realmente torna o teatro poderoso.



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