|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Um escritor critica o conservadorismo, e um violinista tenta atrair as crianças
Música erudita
Para adultos
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE LANCE PARA A FOLHA
Música erudita é um negócio
controlado por gente velha, e que
funciona para gente velha. O público está declinando, perdendo o
interesse, e nada é feito para animá-lo, pois as orquestras estão tomadas pelo conservadorismo e
rejeitam novas idéias.
Quem diz isso não é nenhum
punk adolescente, mas um dos
principais especialistas na área, o
britânico Norman Lebrecht, 54,
que era colunista do "Daily Telegraph" até três meses atrás, quando o "Evening Standard" o contratou para chefiar a equipe que
cobre a área cultural.
Lebrecht tornou-se referência
sobre as mazelas da música de
concerto ao publicar, nos anos 90,
dois livros provocadores como
"O Mito do Maestro" (92), lançado no Brasil recentemente, e
"When the Music Stops -°Managers, Maestros and the Corporate
Murder of Classical Music" (ed.
Simon & Schuster, 96, posteriormente reeditado como "Who Killed Classical Music?").
"O público de música erudita
nos EUA e na Europa está entre 45
e 64 anos. Os programas são os
mesmos de 60 anos atrás, e a orquestra ainda se veste do mesmo
jeito", disse o autor à Folha, por
telefone, de Londres. "As pessoas
se tornam conservadoras na velhice, pouco antes da morte. É o
que está acontecendo nesta área."
Em "O Mito do Maestro", Lebrecht diz que o maestro é um mito "artificialmente criado por um
propósito não musical e fomentado por necessidade comercial".
"O que eu falei neste livro é que
os regentes se confundiram com
idéias de abuso de poder, e que, se
não começassem a pensar primeiro na música e depois no dinheiro, o futuro da regência estaria em
risco, e foi o que aconteceu", explica. "Temos regentes jovens
muito bons, dos quais ninguém
nunca ouviu falar, pois as oportunidades de mídia estão fechadas.
As orquestras se tornaram velhas
e conservadoras e não estão preparadas para correr riscos."
"When the Music Stops" é um
retrato mais amplo, em que o autor mostra como o poder absoluto dos regentes, aliado à cobiça
dos "managers", inflacionou cachês de astros e deprimiu o nível
artístico das execuções, levando
orquestras e teatros à bancarrota.
Partes expressivas do livro são
ainda dedicadas à crise da indústria fonográfica. "Minhas piores
previsões foram ultrapassadas.
Quando escrevi o livro, havia seis
grandes gravadoras, que controlavam 87% do mercado. Destas,
hoje, apenas quatro estão ativas
em música erudita. Estas quatro,
naquela época, lançavam uma
média de 120 gravações cada, por
ano. Agora, ficam entre 20 e 40.
Olhando apenas para a indústria
fonográfica, a produção de gravações clássicas caiu uns 80%."
Destes lançamentos, a maioria
se dedica a astros pop disfarçados
de intérpretes eruditos, como a
violinista Vanessa Mae e o cantor
Russell Watson. Por isso, diz Lebrecht, "nós chegamos ao fim da
indústria de gravações, que é virtualmente inexistente hoje".
Para o autor a música de concerto pode até não morrer, mas se
tornará um item de antiquário.
Ele diz que a música erudita "vai
permanecer como um dos ápices
da criatividade humana", porém
restrita a uma minoria que encolhe a cada dia, "pois não há exposição na mídia e porque não é
mais uma parte central de nossa
educação". "A educação musical
nas escolas parou nos EUA há uns
40 anos, e agora, mesmo na Alemanha, há cortes. Estamos criando crianças que não sabem que a
música erudita existe."
O MITO DO MAESTRO. Autor: Norman
Lebrecht. Tradução: Maria Luiza Borges.
Preço: R$ 50 (571 págs.). Editora:
Civilização Brasileira.
Texto Anterior: Pedaços de mim: Ensaios e artigos mostram faces de João Silvério Trevisan Próximo Texto: Para Crianças Índice
|