São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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Um escritor critica o conservadorismo, e um violinista tenta atrair as crianças

Música erudita

Para adultos

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE LANCE PARA A FOLHA

Música erudita é um negócio controlado por gente velha, e que funciona para gente velha. O público está declinando, perdendo o interesse, e nada é feito para animá-lo, pois as orquestras estão tomadas pelo conservadorismo e rejeitam novas idéias.
Quem diz isso não é nenhum punk adolescente, mas um dos principais especialistas na área, o britânico Norman Lebrecht, 54, que era colunista do "Daily Telegraph" até três meses atrás, quando o "Evening Standard" o contratou para chefiar a equipe que cobre a área cultural.
Lebrecht tornou-se referência sobre as mazelas da música de concerto ao publicar, nos anos 90, dois livros provocadores como "O Mito do Maestro" (92), lançado no Brasil recentemente, e "When the Music Stops -°Managers, Maestros and the Corporate Murder of Classical Music" (ed. Simon & Schuster, 96, posteriormente reeditado como "Who Killed Classical Music?").
"O público de música erudita nos EUA e na Europa está entre 45 e 64 anos. Os programas são os mesmos de 60 anos atrás, e a orquestra ainda se veste do mesmo jeito", disse o autor à Folha, por telefone, de Londres. "As pessoas se tornam conservadoras na velhice, pouco antes da morte. É o que está acontecendo nesta área."
Em "O Mito do Maestro", Lebrecht diz que o maestro é um mito "artificialmente criado por um propósito não musical e fomentado por necessidade comercial".
"O que eu falei neste livro é que os regentes se confundiram com idéias de abuso de poder, e que, se não começassem a pensar primeiro na música e depois no dinheiro, o futuro da regência estaria em risco, e foi o que aconteceu", explica. "Temos regentes jovens muito bons, dos quais ninguém nunca ouviu falar, pois as oportunidades de mídia estão fechadas. As orquestras se tornaram velhas e conservadoras e não estão preparadas para correr riscos."
"When the Music Stops" é um retrato mais amplo, em que o autor mostra como o poder absoluto dos regentes, aliado à cobiça dos "managers", inflacionou cachês de astros e deprimiu o nível artístico das execuções, levando orquestras e teatros à bancarrota.
Partes expressivas do livro são ainda dedicadas à crise da indústria fonográfica. "Minhas piores previsões foram ultrapassadas. Quando escrevi o livro, havia seis grandes gravadoras, que controlavam 87% do mercado. Destas, hoje, apenas quatro estão ativas em música erudita. Estas quatro, naquela época, lançavam uma média de 120 gravações cada, por ano. Agora, ficam entre 20 e 40. Olhando apenas para a indústria fonográfica, a produção de gravações clássicas caiu uns 80%."
Destes lançamentos, a maioria se dedica a astros pop disfarçados de intérpretes eruditos, como a violinista Vanessa Mae e o cantor Russell Watson. Por isso, diz Lebrecht, "nós chegamos ao fim da indústria de gravações, que é virtualmente inexistente hoje".
Para o autor a música de concerto pode até não morrer, mas se tornará um item de antiquário. Ele diz que a música erudita "vai permanecer como um dos ápices da criatividade humana", porém restrita a uma minoria que encolhe a cada dia, "pois não há exposição na mídia e porque não é mais uma parte central de nossa educação". "A educação musical nas escolas parou nos EUA há uns 40 anos, e agora, mesmo na Alemanha, há cortes. Estamos criando crianças que não sabem que a música erudita existe."

O MITO DO MAESTRO. Autor: Norman Lebrecht. Tradução: Maria Luiza Borges. Preço: R$ 50 (571 págs.). Editora: Civilização Brasileira.


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