São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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Para Crianças

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"A Incrível História da Orquestra", com suas 32 páginas e atraentes ilustrações, pode ser uma das portas à disposição das crianças para o acesso a esse mundo prodigioso de sonoridades que é uma orquestra sinfônica.
O autor, o violinista norte-americano Bruce Koscielniak, que também foi o ilustrador da brochura, preenche uma das inúmeras lacunas na bibliografia de aproximação da alta cultura com o público infantil.
A música erudita é objeto de um preconceito que os pais involuntariamente transmitem a seus filhos, ao comentarem que "ela é complicada", "difícil", "meio elitista" e outros disparates sem maior fundamento. O que existe em verdade é uma guerra no mercado da música, na qual o repertório erudito ou clássico -as duas palavras se equivalem- foi sempre o grande perdedor.
Seus grandes compositores já morreram. Bach, há 252 anos. Mozart, há 211. São veneráveis finados e não celebridades que frequentem "reality shows", apareçam no "Xuxa Park", comentem seus hábitos de consumo ou tenham a vida amorosa e sexual vasculhada por bisbilhoteiros.
Apesar de tudo, a música sinfônica está ao alcance de qualquer cidadão que entre numa loja de CDs ou se disponha a comprar por um preço acessível um ingresso para um concerto.
Bruce Koscielniak é um soldado dessa espécie de guerra surda que existe no mercado musical, contrapondo-se à idéia de que a música deve sempre ser pop.
O livro, agora traduzido no Brasil, tem algumas imperfeições. Apresenta de forma dogmática fatos historicamente discutíveis.
Alguns exemplos: se é verdade que o veneziano Giovanni Gabrieli (1757-1612) foi um revolucionário da polifonia orquestral, não se pode dizer que foi ele quem em 1597 "inventou" a orquestra.
Primeiro porque dez anos antes o tio dele e seu grande mentor, Andrea Gabrieli, já publicara dois volumes de peças para até 16 vozes ou instrumentos. Depois porque a idéia de partir para combinações sonoras mais complexas já estava no ar (Schutz, Monteverdi, Praetorius ou Hassler).
Em verdade, a orquestra moderna surgiu da necessidade cultural de enriquecer a música sacra e valorizar, nos salões aristocráticos, os divertimentos profanos.
Outra coisinha. É inexato que no século 20 as orquestras se tornaram menores que durante o romantismo. Dmitri Chostakovich, que morreu em 1975, exigia em suas partituras tantas cordas, madeiras e metais quanto Richard Wagner, morto em 1883.
Mas o didatismo do autor é por vezes exemplar, ao apontar o parentesco umbilical entre instrumentos de cordas -o contrabaixo não passa de um violino bem grandão- ou de fazer a cronologia da aparição dos instrumentos de sopro de madeira. Em outros momentos a criança pode ser atropelada por termos técnicos. A palavra "dinâmica", por exemplo, surge sem que se diga que é o contraste entre diferentes intensidades de emissão do som.
Seria por fim recomendável que a edição brasileira mencionasse invenções nacionais (a gaita de boca como instrumento de concerto) ou que Koscielniak desse exemplos de peças que explicam o que é uma orquestra. Há "Pedro e o Lobo", de Sergei Prokofiev, em que personagens da fábula são representados por instrumentos, ou então "Guia Orquestral para a Juventude", op. 34, de Benjamin Britten.

A INCRÍVEL HISTÓRIA DA ORQUESTRA. Autor: Bruce Koscielniak. Tradução: Renata Campos. Editora: Cosac & Naify. Preço: R$ 22 (32 págs.).


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