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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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CONTAS

Balanço continua "maquiado" com artifício contábil, diz especialista

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Fundação Padre Anchieta continua a maquiar os seus balanços. Em janeiro de 2001, a Folha revelou que a TV Cultura usava artifícios contábeis para melhorar os seus números. A fundação, então, alterou critérios, mas, naquelas distorções apontadas, o balanço de 2002 ficou ainda menos transparente.
O artifício em 2001 e o atual agravamento dessa distorção foram identificados pelo professor Ariovaldo dos Santos, presidente da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), da USP.
"O que disse em 2001 -que o balanço estava com a cara melhorada, mais bonita, graças a artifícios contábeis- sustento. Ao tentar corrigir, pioraram", diz.
Na quarta-feira, a Folha submeteu a Santos -responsável técnico pelo ranking anual dos balanços das empresas da revista "Melhores e Maiores"- as demonstrações contábeis de 1999 a 2002 da fundação, documentos só fornecidos pela instituição uma semana após a solicitação da reportagem. "Os balanços que tinha visto em 2001 apresentavam erros técnicos. Foi eliminada a conta que mostrava esse possível engano, mas, na verdade, a informação ficou menos transparente", diz o professor.
Segundo Santos, naquela ocasião a fundação não seguira "as normas contábeis geralmente aceitas" ao escriturar de forma inadequada, no balanço de 2000, R$ 29 milhões de eventuais perdas com processos trabalhistas.
Com isso, deixara de admitir que a dívida era maior do que a capacidade da instituição de liquidá-la. A diferença (a que se chama de "passivo a descoberto") seria de R$ 6,4 milhões.
Na linguagem técnica: a fundação classificara como "reserva de contingência" o que deveria ser uma "provisão". Jogara os R$ 29 milhões como "reserva" no "patrimônio líquido", quando deveria ter feito uma "provisão" no "passivo circulante" (obrigações a serem pagas no exercício seguinte) ou no "exigível a longo prazo" (dívidas que vencem depois de um ano).
"Eles eliminaram a conta que mostrava esse engano -aquilo que chamavam de "reserva de contingência'- e jogaram no déficit acumulado", diz Santos. "Acabou ficando pior. Havia um erro que era identificado visualmente. Pegaram uma conta, que era incorreta, e jogaram os valores dentro do "déficit acumulado", uma coisa que vem de anos anteriores e você não tem a mínima chance de entender."
No balanço, a fundação admite em nota explicativa (que detalha os critérios contábeis adotados) uma contingência trabalhista, "cuja expectativa de êxito é remota", de R$ 17 milhões.
"Ou seja, a fundação está dizendo o seguinte: eu tenho um passivo e vou perder, pois não tenho chances de ganhar isso na Justiça." Mas, segundo Santos, esse passivo foi omitido nos cálculos: "A fundação reconhece, nas notas explicativas, que existe o passivo, mas não o incluiu no balanço". Ou seja, o "passivo a descoberto" de R$ 5 milhões, no balanço de 2002, seria aumentado em mais R$ 17 milhões. "Em números redondos, o "passivo a descoberto" seria de R$ 22 milhões", diz Santos.
Manoel Luiz Luciano Vieira, diretor-superintendente da TV, diz que a empresa de auditoria Arthur Andersen, que auditava os balanços, "entendeu que a contingência estava assegurada no fluxo de recursos que o governo tinha para sustentar o pagamento das ações trabalhistas".
"No entendimento deles, a posição daquela contingência era no "patrimônio líquido'", diz. "Não foi pedido nosso."
Vieira afirma que "ninguém gostaria que o balanço fosse [da forma] "A" ou "B'". "A TV Cultura não toma crédito, dinheiro em banco, não faz empréstimo. Nosso balanço não retrata a situação real da fundação. Só um imóvel na avenida Faria Lima, que não está no balanço pelo valor de mercado, é suficiente para cobrir o passivo a descoberto, sem falar do acervo de obras de arte."


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