São Paulo, quarta, 15 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Atração da próxima Mostra de Cinema de SP, a
iraniana Samira Makhmalbaf, 18, filha
do diretor de "Gabbeh", fala com
exclusividade à Folha sobre seu
filme, que relata a prisão de
duas crianças, intitulado
a maçã

ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

"Para Zahra e Massoumeh, que têm 13 anos, mas aparentam ter 2, porque passaram 11 anos na prisão."
Mohsen Makhmalbaf, em dedicatória do roteiro de "A Maçã"

A história é verídica: duas garotinhas iranianas permaneceram 11 anos trancadas em casa pelos pais. Até que, em 97, os vizinhos resolveram denunciar o fato às autoridades. A notícia abalou até mesmo as rígidas leis do Irã e virou manchete dos jornais locais.
A aberração seria apenas mais um "faits-divers" na turbulenta república islâmica, mas uma garota de 18 anos resolveu ir além e transformou-a em filme: "A Maçã" -que participará da 22ª Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro, e foi destaque no último Festival de Cannes.
Mais um dado importante: Samira é filha de Mohsen Makhmalbaf, um dos mais elogiados cineastas do Irã, diretor de "Gabbeh".
Com a desculpa de que faria um curta-metragem, a garota pediu ao pai sobras de películas de seu novo filme, "O Silêncio", do qual é assistente de direção. Delas, nasceram "A Maçã", cujo roteiro é assinado pelo próprio Mohsen.
Leia abaixo trechos da entrevista exclusiva que Samira Makhmalbaf deu à Folha, por fax, de Teerã. Nela, a cineasta confirmou: vem ao Brasil em outubro para a mostra.

Folha - Por que você decidiu filmar a história dessas garotinhas?
Samira Makhmalbaf -
Eu assisti a uma reportagem na TV e achei que aquela era uma situação muito absurda. Eu não conseguia parar de pensar no assunto. Queria saber quais são razões que levam um pai a fazer tal coisa com suas filhas.
Folha - Pode-se dizer que seu filme é um documentário?
Samira -
Digamos que ele se situa entre documentário e ficção.
Folha - A maçã percorre todo a trama e dá título ao filme. Qual seu significado para o povo iraniano?
Samira -
Em nossos poemas, a maçã é símbolo da vida. Quando crianças, nossos pais nos contam que a razão pela qual viemos à Terra foi a maçã que Satanás deu a Eva. Ou seja, essa fruta é símbolo da vida e do conhecimento.
Folha - Você não usou atores, as pessoas interpretam elas mesmas. Como foi esse trabalho?
Samira -
Rodei tudo em tempo real, logo após o pai ter sido denunciado. Fui à casa da família e contei sobre o filme. Eu sabia quais seriam suas reações, mas não ditei os diálogos. Para conseguir que as garotas "atuassem", tive que usar dois caminhos: instigá-las a participar e me imitar, já que as duas são retardas e não falam.
Folha - Seu pai escreveu o script do filme. Como foi o processo de trabalho com ele?
Samira -
Quando você faz um filme, é necessário desenvolver um roteiro antes. Porém, o caso de "A Maçã" foi especial. O script foi sendo escrito enquanto eu rodava o filme. Meu pai e eu sempre conversávamos sobre as cenas nas noites anteriores à sua filmagem. Nós discutíamos sobre elas, mas não determinávamos detalhadamente quais seriam os diálogos utilizados pelos "atores".
Folha - Você é mulher num país onde as mulheres ocupam uma posição delicada. E é jovem, num ligar onde ser jovem não é fácil. Como lida com isso?
Samira -
Assim como você pode constatar (ou seja, fazendo filmes como esse).
Folha - Como o Irã encara a existência de uma cineasta -e jovem?
Samira -
O futuro das pessoas é mais importante para mim do que seus pontos de vista...
Folha - Apesar de ser uma história sobre um pai que tranca suas filhas, você não faz nenhum tipo de julgamento no filme.
Samira -
Eu não sou juíza, e cinema não é uma corte. Para mim, cinema é um espelho que você coloca na frente da sociedade...
Folha - Contar essa história para o povo iraniano pode mudar algo?
Samira - Algumas pessoas podem mudar e se corrigir quando virem seu reflexo no espelho.
Folha - Você abandonou a escola aos 15 anos. Por quê?
Samira -
Eu larguei a escola por causa do cinema. As locações dos filmes do meu pai são a melhor escola que posso ter.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.