São Paulo, Quinta-feira, 15 de Julho de 1999
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Francês é "tarado" por Nelson Rodrigues

do enviado especial


Alain Ollivier, diretor de "Toute Nudité Sera Châtiée" ("Toda Nudez Será Castigada"), é quase um "tarado" por Nelson Rodrigues. Está na sua terceira montagem. Já fez "Valsa nº 6" e "Anjo Negro" e compara o brasileiro aos grandes autores da segunda metade do século: Ionesco e Samuel Beckett.
Sua "Toda Nudez" tem o grande mérito de apresentar uma leitura de Nelson Rodrigues que foi enfraquecida no Brasil, em parte pela personalidade do autor, em parte pela "leitura à TV Pirata" que se tornou corrente nos últimos anos.
Também ajudou a suprir a falta de "teatro-teatro" brasileiro num festival que, pretendendo mostrar a produção sul-americana, trouxe sete companhias argentinas contra apenas três brasileiras, todas ligadas a uma tradição popular, e só uma chilena.
"Toda Nudez" começa com o suicídio de Geni, uma ex-prostituta, casada com Herculano. Geni deixa uma fita gravada, em que conta ao marido sua relação com Serginho, filho do primeiro casamento de Herculano.

Seriedade
Ollivier dá ao triângulo amoroso uma leitura tensa, pouco irônica, contemporânea (os personagens usam telefones celulares), dissociada do sotaque carioca que "colou" em Nelson Rodrigues no Brasil.
Os atores estão bem, mas poderiam melhorar, ganhando entrosamento, se a peça fosse ficar mais tempo em cartaz -o que não vai acontecer: além do curto período na periferia de Paris, no Studio-Théâtre de Vitry, apenas a apresentação de Avignon está prevista.
"Rodrigues é bem-humorado, mas não anedótico", disse ele, acompanhado de Ângela Leite Lopes, professora da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, que traduziu "Toda Nudez Será Castigada" e "Valsa nº 6" para o francês. Ollivier leva Nelson Rodrigues a sério, embora faça o público rir, em algumas cenas.
"Ao contrário do que pensa boa parte da intelligentsia francesa, o Brasil é muito mais europeu do que se imagina", diz ele.
E é essa visão séria que Ollivier tem de Nelson Rodrigues que o mantém próximo de Ângela, com quem já trabalhou nas outras montagens. "Não é porque somos brasileiros que entendemos melhor Nelson Rodrigues que os outros", acredita ela.
Entre os pontos sérios que Ollivier vê em Nelson Rodrigues, está a preocupação com o corpo, "um problema para a psicanálise moderna". Geni acredita que vai morrer como a mulher de Herculano, vítima de um câncer no seio, que nunca aparece de fato.
Ollivier diz que o governo brasileiro faz pouco esforço para que os grandes autores da literatura e do teatro brasileiros sejam reconhecidos no exterior.
"É uma responsabilidade do Estado brasileiro. Falei de Guimarães Rosa numa entrevista à televisão francesa e ninguém sabia quem era." Na mesma entrevista, Leite Lopes teve de responder à pergunta inevitável: "Nelson Rodrigues é o Brasil, isso é o Brasil?".
(HCS)


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