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FESTIVAL DE GRAMADO
Por meio de loja de vinis, longa confronta brutalidade do presente com a persistência do passado
"Durval Discos" passeia por bairro paulistano
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO
"Durval Discos", de Anna
Muylaert, o longa-metragem brasileiro de hoje no 30º Festival de Cinema de Gramado, é
um filme tão radicalmente paulistano quanto os recentes "O Príncipe" e "O Invasor".
Mas, se a fita de Ugo Giorgetti
mostra os escombros de uma São
Paulo que não existe mais e o de
Beto Brant esboça a cidade monstruosa que surge desses escombros, o foco de "Durval Discos" é
mais concentrado. Com um olhar
ao mesmo tempo crítico e amoroso, Anna Muylaert encena em seu
primeiro longa o embate entre a
persistência do passado e a brutalidade do presente no espaço restrito de um bairro, uma loja.
O bairro é Pinheiros, região residencial de classe média em que
vilas e sobrados cedem terreno a
cada dia aos bares, prédios de
apartamentos, espigões comerciais, estacionamentos.
A loja é a Durval Discos, que resiste aos novos tempos vendendo
apenas LPs de vinil, em especial
dos anos 70, década em que também parece ter estacionado o dono da biboca, o cabeludo quarentão Durval (Ary França), que mora no andar de cima da loja com a
mãe já meio biruta (Etty Fraser).
Essa espécie de bolha de tempo
é rasgada violentamente quando
uma (suposta) doméstica (Letícia
Sabatella) vem trabalhar na casa e
desaparece deixando sua (suposta) filha Kiki (Isabela Guasco)
com Durval e sua mãe.
Lidar com o novo é justamente
o que esses dois não sabem, sobretudo quando esse novo aparece sob a forma mais viva e imprevisível que possa existir: uma
criança de cinco anos. Vêm daí,
desse desajuste de tempos, os caminhos inusitados que o filme
passa a tomar. Drama, comédia,
trama policial e registro documental se alternam e, nos melhores momentos, se fundem, produzindo cenas de delicioso absurdo.
Anna Muylaert diz que começou a perceber mais claramente a
cara que seu filme teria durante a
discussão do projeto no laboratório de roteiros do Instituto Sundance: drama e comédia ao mesmo tempo, com uma discreta dose de loucura.
Ainda que se ressinta de fragilidades ocasionais -como certas
quedas de ritmo e o descompasso
entre os métodos de interpretação
dos atores-, "Durval Discos" tira
proveito de um punhado de belos
"achados".
O primeiro deles foi a escalação
de Ary França como Durval. Eterno coadjuvante chamado a servir
de contraponto cômico ao drama
dos outros, pela primeira vez o
ator pôde colocar em cena boa
parte dos recursos que desenvolveu e lapidou no teatro.
Por mais absurda que seja sua
vida, ou as situações em que se envolve, Durval é sempre crível, divertido e comovente graças às
nuanças que França lhe acrescenta a cada cena.
Outra opção feliz é a trilha sonora, composta de clássicos do rock
e do pop brasileiros dos anos 70 e
amarrada pela música original de
André Abujamra.
Nunca é demais lembrar que o
projeto de "Durval Discos" é anterior a "Alta Fidelidade", filme de
Stephen Frears baseado no livro
de Nick Hornby, com o qual tem
em comum a idéia da loja de velhos discos de vinil.
Antes de estrear no longa, Anna
Muylaert dirigiu o curta "A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti" e trabalhou como roteirista de programas infantis de televisão, como "Mundo da Lua",
"Castelo Rá-Tim-Bum" e "Disney
Club".
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