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ARTES PLÁSTICAS/RÉPLICA
Dor, simbolização, e o que é sério e o que não é sério
OLÍVIO TAVARES DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Van Gogh cortou a orelha
porque era artista -ou vice-versa? El Greco sofria de astigmatismo e por isso alongava as
figuras? Fosse menor o nariz de
Cleópatra, teria sido outra a história do Ocidente?
Qualquer resposta maniqueísta a essas questões ilusoriamente
primárias será, também, ignorante. Nem tudo o que se aprende facilitado e resumido, na escola, se confirma a uma observação mais vivida, informada e inteligente. Por exemplo, a afirmativa "a arte não se comunica porque trata de uma questão individual, mas porque é ampla o suficiente para tratar de temas que
vão muito além de mero individualismo". Foi publicada há dias
neste jornal, numa crítica à exposição "Dor, Forma, Beleza".
A segunda metade é inegável: a
obra de arte transcende o indivíduo que a cria. A primeira é leviana. Toda obra nasce de um fazer individual que implica obrigatoriamente graus variáveis de
temperamento e vivência. Não
há como retirar dela o indivíduo.
O coletivo e o social não entram
na obra por força de magia.
Quando se diz que a "Mona Lisa" contém ou traduz a crescente
afirmação do homem renascentista, a rigor isso é só uma metáfora. Essa tal "crescente afirmação" não pegou em telas nem
pincéis. Não passa de um conceito abstrato. Ao dar-lhe forma
tangível, o homem Leonardo se
manifesta ineludivelmente em
sua obra, e também por tratar de
questões subjetivas desse homem ela é capaz de se comunicar
com outros homens e perenizar-se na história. Também. Sem
maniqueísmo.
Com base nos textos em painéis que a integram -e não nas
obras, que apareceram na crítica
como Pilatos no Credo-, a exposição "Dor, Forma, Beleza" foi
acusada de fazer "uma redução
limitadora da criação", antepondo-lhe o dado biográfico e transformando a arte numa "ilustração de dilemas individuais". É
uma acusação surpreendente,
pois nos mesmíssimos textos está escrito: "arte não é biografia",
"a biografia não explica a existência da arte"; "a obra de Ivan
Serpa decididamente não faz
confissões"; nada há "que permita dizer que [sua fase negra]
tenha (...) servido para liberá-lo
de tormentos interiores"; ela trata "de um momento de angústia
do mundo, da observação da tragédia humana". E eu que pensava que estava tão claro!
Não sendo uma exposição "de
tese", "Dor, Forma, Beleza" contém certamente uma tese -até
porque não reúne obras ao acaso. No essencial, propõe-se a demonstrar que a experiência traumática, dolorosa, do ser humano, ultrapassado o estágio do pânico ou horror -que é caos informatado-, é dominada porque admite simbolização.
E, no caso do artista, tal simbolização costuma-se materializar
em suportes capazes de suscitar
a sensação que habitualmente
chamamos de beleza. A crítica à
exposição assegura que tal proposta não deve ser levada a sério.
Data venia, o que não pode ser
levado a sério é uma crítica que
nem sequer olhou direito para o
que pretendia criticar.
Olívio Tavares de Araújo é cineasta,
crítico de arte e co-curador da exposição "Dor, Forma, Beleza"
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