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GASTRONOMIA
Dá-lhe pimenta na Olimpíada
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Cherry Ripe, com esse nome
de rainha do rebolado, é uma
estudiosa de comida. Interessante, intensa, cheia de vida. Da última vez em que a vi, falava sobre
extinção de espécies importantes
de batata.
Inglesa, foi pequena para a Austrália e começou a prestar atenção
na comida australiana, assunto
muito próprio para sabermos o
que vão comer nossos atletas e os
frequentadores de estádios nesta
Olimpíada.
Comida inglesa, bife com batatas, sopa de galinha, canguru na
chapa? Nada disso.
Cherry Ripe escreveu um livro,
"Goodbye Culinary Cringe"
(Allen and Unwin), no qual afirma que ainda existem por lá bifes
com batatas fritas, mas geralmente aparecem acompanhados por
um chutney de tomate ou uma
fruta tropical fresca, em salada.
Há polenta, cuscuz marroquino,
mas, principalmente, comida
asiática. Vamos comer sushi na
Olimpíada e muita comida tailandesa, apimentadíssima.
Os australianos começaram a
mudar de hábitos de comer logo
depois da Segunda Guerra, com
as levas de imigração do Mediterrâneo. Apareceram as comidas
italianas, gregas, libanesas, os restaurantes étnicos, os produtos diferentes. E o nativo foi aprendendo a comer macarrão, quibe e a
beber retsina.
Nos últimos 15 anos, a infiltração foi tailandesa. Chegaram como quem não quer nada e tomaram conta. Em outros lugares do
mundo, quando a comida tailandesa fica na moda, você é obrigado a ir a um restaurante tailandês.
Na Austrália, não. Está tudo
junto no cardápio. Não no cardápio, no mesmo prato. É a "fusion-food", muito antes da "fusion-food" californiana. Os australianos já misturam as coisas ocidentais e orientais, sem comentários e
com muita naturalidade, há muito tempo.
Onde isso fica evidente? Na gôndola do supermercado, onde um
asiático pode fazer uma comidinha à moda da casa com muita facilidade. Curries de três cores,
coentro, erva-cidreira, alho, gengibre e pimenta, pimenta a mais
não poder. E comida congelada
asiática para comprar. Sopas, asas
de galinha com soja. As professoras de TV nem piscam o olho para
saltear um franguinho na "wok".
Uma entidade governamental
distribui receitas, e ninguém se
surpreende quando os ingredientes são polpa de manga, leite de
coco, tamarindo e cardamomo.
O que está acontecendo na Austrália é muito raro. É complicado
mudar hábitos alimentares. Qual
a explicação para esse pendor
exótico na Austrália colonizada
pelos ingleses? A resposta é que
sua situação geográfica faz com
que o australiano se ponha a viajar. É uma ilha, nação que quer
sempre saber o que há lá longe,
além do mar.
Os jovens viajaram muito depois da guerra. Depois veio a onda
hippie dos anos 60, quando todos
queriam ir para a Europa... Mas
era preciso passar pela Ásia e assim iam se familiarizando com ingredientes jamais vistos, estranhos e bons.
A segunda leva de viagens foi
nos anos 70, e aí os jovens iam diretamente para a Ásia, que era bonita e barata. Kuala Lumpur e Bali
ficavam ali na esquina. O bolso do
viajante pobre preferia os restaurantes baratos, que sempre eram
étnicos. Em 81, os melhores restaurantes australianos já apresentavam mais da metade de seus
pratos com tendências orientais.
Um chef famoso afirmou: "Percebemos que, para sobreviver no
século 21, temos de nos tornar
uma nação orientada para a Ásia.
Não podemos nos sentar às margens do Pacífico e sacudir a bandeira inglesa como o último bastião do Império Britânico".
Essa revolução culinária era
mais ou menos de esperar. A Austrália sempre teve ligações comerciais com a Ásia, tem um clima
que pede cozinha mais leve e uma
terra em que, se plantando, dá comida oriental. E, além do mais, o
país não tinha fortes tradições alimentares antes dos colonizadores.
Enfim, a Ásia chegou para ficar,
a Austrália assimilou, quebrando
barreiras culturais, refletindo
uma sociedade pluralista. Pode
ser difícil acontecer, mas está
acontecendo.
Dá-lhes pimenta na Olimpíada.
Os nossos estão acostumados.
E-mail - ninahort@uol.com.br
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