São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2000

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GASTRONOMIA
Dá-lhe pimenta na Olimpíada

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Cherry Ripe, com esse nome de rainha do rebolado, é uma estudiosa de comida. Interessante, intensa, cheia de vida. Da última vez em que a vi, falava sobre extinção de espécies importantes de batata.
Inglesa, foi pequena para a Austrália e começou a prestar atenção na comida australiana, assunto muito próprio para sabermos o que vão comer nossos atletas e os frequentadores de estádios nesta Olimpíada.
Comida inglesa, bife com batatas, sopa de galinha, canguru na chapa? Nada disso.
Cherry Ripe escreveu um livro, "Goodbye Culinary Cringe" (Allen and Unwin), no qual afirma que ainda existem por lá bifes com batatas fritas, mas geralmente aparecem acompanhados por um chutney de tomate ou uma fruta tropical fresca, em salada. Há polenta, cuscuz marroquino, mas, principalmente, comida asiática. Vamos comer sushi na Olimpíada e muita comida tailandesa, apimentadíssima.
Os australianos começaram a mudar de hábitos de comer logo depois da Segunda Guerra, com as levas de imigração do Mediterrâneo. Apareceram as comidas italianas, gregas, libanesas, os restaurantes étnicos, os produtos diferentes. E o nativo foi aprendendo a comer macarrão, quibe e a beber retsina.
Nos últimos 15 anos, a infiltração foi tailandesa. Chegaram como quem não quer nada e tomaram conta. Em outros lugares do mundo, quando a comida tailandesa fica na moda, você é obrigado a ir a um restaurante tailandês.
Na Austrália, não. Está tudo junto no cardápio. Não no cardápio, no mesmo prato. É a "fusion-food", muito antes da "fusion-food" californiana. Os australianos já misturam as coisas ocidentais e orientais, sem comentários e com muita naturalidade, há muito tempo.
Onde isso fica evidente? Na gôndola do supermercado, onde um asiático pode fazer uma comidinha à moda da casa com muita facilidade. Curries de três cores, coentro, erva-cidreira, alho, gengibre e pimenta, pimenta a mais não poder. E comida congelada asiática para comprar. Sopas, asas de galinha com soja. As professoras de TV nem piscam o olho para saltear um franguinho na "wok".
Uma entidade governamental distribui receitas, e ninguém se surpreende quando os ingredientes são polpa de manga, leite de coco, tamarindo e cardamomo.
O que está acontecendo na Austrália é muito raro. É complicado mudar hábitos alimentares. Qual a explicação para esse pendor exótico na Austrália colonizada pelos ingleses? A resposta é que sua situação geográfica faz com que o australiano se ponha a viajar. É uma ilha, nação que quer sempre saber o que há lá longe, além do mar.
Os jovens viajaram muito depois da guerra. Depois veio a onda hippie dos anos 60, quando todos queriam ir para a Europa... Mas era preciso passar pela Ásia e assim iam se familiarizando com ingredientes jamais vistos, estranhos e bons.
A segunda leva de viagens foi nos anos 70, e aí os jovens iam diretamente para a Ásia, que era bonita e barata. Kuala Lumpur e Bali ficavam ali na esquina. O bolso do viajante pobre preferia os restaurantes baratos, que sempre eram étnicos. Em 81, os melhores restaurantes australianos já apresentavam mais da metade de seus pratos com tendências orientais.
Um chef famoso afirmou: "Percebemos que, para sobreviver no século 21, temos de nos tornar uma nação orientada para a Ásia. Não podemos nos sentar às margens do Pacífico e sacudir a bandeira inglesa como o último bastião do Império Britânico".
Essa revolução culinária era mais ou menos de esperar. A Austrália sempre teve ligações comerciais com a Ásia, tem um clima que pede cozinha mais leve e uma terra em que, se plantando, dá comida oriental. E, além do mais, o país não tinha fortes tradições alimentares antes dos colonizadores.
Enfim, a Ásia chegou para ficar, a Austrália assimilou, quebrando barreiras culturais, refletindo uma sociedade pluralista. Pode ser difícil acontecer, mas está acontecendo.
Dá-lhes pimenta na Olimpíada. Os nossos estão acostumados.
E-mail - ninahort@uol.com.br


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