São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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MEMÓRIA

Professor de vários músicos, maestro alemão naturalizado brasileiro morreu anteontem aos 90 de mal de Alzheimer

Koellreuter opôs vanguarda ao nacional

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O meio musical brasileiro perdeu anteontem uma de suas figuras mais influentes e galvanizadoras. O compositor alemão naturalizado brasileiro Hans-Joachim Koellreuter morreu no hospital Santa Isabel, em São Paulo, depois de uma longa luta contra o mal de Alzheimer.
Nos últimos cinco anos, Koellreuter estava aos cuidados de Áurea, a empregada que o acompanhou por mais de 20 anos. Sua mulher, a cantora Margarita Schack, restringiu drasticamente o contato social. O único amigo autorizado a visitá-lo era o compositor, aluno e médico Mauro Muszkat.
"Ele estava muito preservado e não teve grande alteração comportamental. Além disso, a Áurea cuidava muito bem dele. O que estava comprometido era a fala e a memória", afirma Muszkat, que visitou o compositor no último dia 2, quando completou 90 anos.
Nascido em Friburgo (região de Breisgau), Koellreuter era flautista de formação e foi aluno de regência de um dos grandes maestros germânicos do século passado, Hermann Scherchen (1891-1966), antes de radicar-se no Brasil, em 1937, fugindo do nazismo.
Por aqui, logo começou a exercer atividade pedagógica de destaque, tornando-se o principal divulgador do dodecafonismo e de outras técnicas composicionais "avançadas" da época. Com a criação, em 1939, no Rio, do movimento música viva (documentada no livro "Música Viva e H. J. Koellreuter", de Carlos Kater, ed. Musa), ele foi reconhecido como o líder da emergente vanguarda musical brasileira.
A reação não tardou. Pupilos de Koellreuter, os compositores Cláudio Santoro, Eunice Catunda e Guerra-Peixe abjuraram das posições do mestre em favor do nacionalismo. Outro autor nacionalista, Camargo Guarnieri, em 1951, elevou a temperatura dos ataques com uma "Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil", no qual o dodecafonismo é atacado como "corrente formalista que leva a degenerescência do caráter nacional de nossa música".
A polêmica só fez aumentar a vontade de Koellreuter em disseminar suas idéias, com incansáveis atividades didáticas e musicais pelo país, incluindo a fundação da Escola de Música da Bahia, em 1954. Seguiu-se um período fora do Brasil, no Instituto Goethe, em Munique (1963), na Índia (1964) e no Japão (1969).
De volta ao Brasil, em 1975, parecia haver incorporado conceitos da música e da filosofia oriental, bem como elementos aleatórios, à sua estética.
Firmou a imagem de um polemista de sotaque forte, sobrancelhas grossas e vestes exóticas, que defendia suas posições com prosa articulada e retórica exaltada.
Popular sua música nunca chegou a ser, nem entrou no repertório de artistas e orquestras brasileiras. Como professor, nunca se preocupou em produzir "clones" de si mesmo. Por isso, seus discípulos são tão heterogêneos -Tom Jobim, Tom Zé, Isaac Karabtchevsky, John Neschling e Júlio Medaglia, entre muitos outros.
A jornalista Regina Porto pretende transformar em livro sua extensiva pesquisa no acervo de Koellreuter.


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