São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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Mauá - Empreendimento nacional de Sergio Rezende


Entra em cartaz hoje superprodução com cenas rodadas no Brasil e e na Inglaterra


PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha

Sergio Rezende não é banqueiro nem empresário, mas nos últimos três anos se envolveu com a vultosa quantia de R$ 12 milhões. O diretor lançou, em 97, "Guerra de Canudos", orçado em R$ 6 milhões, e acaba de rodar "Mauá, o Imperador e o Rei", com Paulo Betti, que estréia hoje, e que teve quase o mesmo custo.
O dinheiro não saiu do bolso dele, uma vez que ele foi convidado pelo produtor Joaquim Vaz de Carvalho a dirigir o projeto que cultivava desde os anos 70, uma biografia de Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá. Mesmo assim, o alívio não acompanhou Rezende, pois, como disse em entrevista à Folha, "fazer filmes no Brasil é um risco eterno".
A equipe gastou 11 semanas de filmagens, três delas em Liverpool, na Inglaterra, local onde alugou um navio e figurinos e utilizou até neve artificial.
Para reconstituir a praça 15 e o Paço Imperial, no Rio de Janeiro do século 19, a produção teve de cobrir o asfalto com 20 caminhões de areia. Para Malu Mader (que interpreta May, mulher de Mauá), foram feitos 25 vestidos, alguns com tecidos importados da Índia. Aos escravos, 400 vestimentas foram confeccionadas. O elenco contou com atores britânicos, como Michael Byrne, e brasileiros como Othon Bastos, Hugo Carvana e Antonio Pitanga.
Leia a seguir o que o diretor de "Lamarca" e "O Homem da Capa Preta" fala sobre seu novo filme e sobre as relações de custo viáveis ao mercado cinematográfico.

Folha - "Mauá" não é um filme de ação, não tem suspense nem cenas de batalhas, como "Guerra de Canudos". Não é de alto risco para conquistar o público?
Sergio Rezende -
Sim, é alto risco, mas o risco de fazer filmes no Brasil é sempre eterno. Fui ver "Cinderela Baiana" no Rio e só havia eu de espectador. Era um filme aparentemente sem risco de fracasso, mas um único espectador estava na sala, naquele domingo. Estou pagando para ver. Fiz do jeito que queria fazer.

Folha - Como você explica o mesmo custo para "Canudos" e "Mauá", já que o primeiro tem várias cenas de batalhas?
Rezende -
A cidade cenográfica de "Canudos" era de barro e palha. As roupas eram farrapos. "Mauá" é muito mais complicado e teria custado mais se fosse rodado após a alta do dólar. Os cenários mostram os palácios da elite e usamos a verdadeira casa da marquesa de Santos, com mobília de antiquários ou fazendo réplicas. Ao contrário da Inglaterra, onde se encontra tudo para filmagens, no Brasil, temos de fazer tudo. Liverpool, atualmente, está numa decadência terrível, mas vem tentando se tornar um pólo cinematográfico, com suas ruas originais. Já se passou por cidade irlandesa em "O Nome do Pai", por exemplo.

Folha - Como foi a experiência na Inglaterra?
Rezende -
Já conhecia o método de produção britânico, pois filmei "A Child from the South", em 91, em Moçambique, na crise do Collor. Era uma produção britânica e fui chamado para rodá-la, como aconteceu com "Mauá".

Folha - Depois de Collor você acabou se dando bem? E é visível que seu "Mauá" tem traços do cinema britânico atual, como personagens não-histriônicos e de atitudes "contidas".
Rezende -
Talvez, mas o que me norteia mesmo é o cinema de John Ford e de Nelson Pereira dos Santos. O trunfo deles é a ausência de malabarismos. Se fosse basquete, eles seriam o Chicago Bulls, não os Globe Trotters. E a beleza do jogo é você andar com a bola e metê-la na cesta. O mesmo vale para o cinema. Rodar um plano-sequência para o crítico elogiar não é comigo. Depois do Collor, descobrimos que não somos a Flórida e que teríamos de resolver nossos problemas por aqui.

Folha - O projeto neoliberal de FHC não indica o contrário?
Rezende -
Bem, talvez na cultura esteja havendo um interesse pelo país, como saber da nossa história, com "Carlota Joaquina" e "Guerra de Canudos".

Folha - Muitos colegas seus abominam as superproduções e dizem que um filme tem de ser barato, até para se pagar.
Rezende -
Estou com eles, pois acabei de rodar semana passada um filme de R$ 400 mil e equipe de 12 pessoas, "Olhos Profundos", com atores desconhecidos. O que acredito é no cinema possível. As superproduções vêm sendo o possível para os empresários, e não os pequenos projetos. Já pensou "Olhos Profundos" com orçamento de "Mauá"? Impossível. E não é o custo que dá chances de o filme ser pago ou não.

Folha - Como assim?
Rezende -
Imaginemos que eu tenha feito o "Titanic" e preciso pagá-lo no mercado brasileiro. Cerca de 15 milhões de pessoas o assistiram. A R$ 4 reais o ingresso, daria R$ 60 milhões. O filme, sabemos, custou cerca de US$ 200 milhões. O mercado brasileiro não paga os filmes nacionais e estrangeiros.

Folha - Mas os filmes americanos dependem do mercado externo para se pagarem.
Rezende -
Sim e como precisam do teu mercado, te espirram para fora. É um jogo bruto. Por isso quero combater essa soberania americana e não faço filmes só para mim e amigos. Defendo uma conjugação da iniciativa privada com a mão do Estado.

Folha - É um jeito político de ver o cinema nacional. Aliás, você gosta de personagens históricos em seus filmes. Sua obra é política ou politizada?
Rezende -
Gosto sobretudo dos aventureiros, dos homens comuns que viveram vidas incomuns, que estiveram à frente de seu tempo. Lembra da cena de "Blow Up", do Antonioni, em que David Hemmings disputa o braço de uma guitarra num show de rock e, ao conseguir, a joga no lixo. A conquista é tudo, como Mauá deixa claro no fim do filme.

Folha - Se fosse um personagem dos dias de hoje, Mauá seria mais um típico neoliberal?
Rezende -
Sim, ele estaria em outras, pois esse papo de globalização é conversa para boi dormir, bacana para os Estados Unidos, não para nós. Por isso, luto por meu mercado e quero provar que exibir meu filme em Aracaju, por exemplo, é tão importante quanto exibí-lo em Los Angeles.


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