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Mauá - Empreendimento nacional de Sergio Rezende
Entra em cartaz hoje superprodução com cenas rodadas no Brasil e e na Inglaterra
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PAULO SANTOS LIMA
especial para a Folha
Sergio Rezende não é banqueiro
nem empresário, mas nos últimos
três anos se envolveu com a vultosa quantia de R$ 12 milhões. O diretor lançou, em 97, "Guerra de
Canudos", orçado em R$ 6 milhões, e acaba de rodar "Mauá, o
Imperador e o Rei", com Paulo
Betti, que estréia hoje, e que teve
quase o mesmo custo.
O dinheiro não saiu do bolso
dele, uma vez que ele foi convidado pelo produtor Joaquim Vaz de
Carvalho a dirigir o projeto que
cultivava desde os anos 70, uma
biografia de Irineu Evangelista de
Souza, o barão de Mauá. Mesmo
assim, o alívio não acompanhou
Rezende, pois, como disse em entrevista à Folha, "fazer filmes no
Brasil é um risco eterno".
A equipe gastou 11 semanas de
filmagens, três delas em Liverpool, na Inglaterra, local onde
alugou um navio e figurinos e utilizou até neve artificial.
Para reconstituir a praça 15 e o
Paço Imperial, no Rio de Janeiro
do século 19, a produção teve de
cobrir o asfalto com 20 caminhões de areia. Para Malu Mader
(que interpreta May, mulher de
Mauá), foram feitos 25 vestidos,
alguns com tecidos importados
da Índia. Aos escravos, 400 vestimentas foram confeccionadas. O
elenco contou com atores britânicos, como Michael Byrne, e brasileiros como Othon Bastos, Hugo
Carvana e Antonio Pitanga.
Leia a seguir o que o diretor de
"Lamarca" e "O Homem da Capa
Preta" fala sobre seu novo filme e
sobre as relações de custo viáveis
ao mercado cinematográfico.
Folha - "Mauá" não é um filme
de ação, não tem suspense nem
cenas de batalhas, como "Guerra de Canudos". Não é de alto
risco para conquistar o público?
Sergio Rezende - Sim, é alto risco, mas o risco de fazer filmes no
Brasil é sempre eterno. Fui ver
"Cinderela Baiana" no Rio e só
havia eu de espectador. Era um
filme aparentemente sem risco de
fracasso, mas um único espectador estava na sala, naquele domingo. Estou pagando para ver.
Fiz do jeito que queria fazer.
Folha - Como você explica o
mesmo custo para "Canudos" e
"Mauá", já que o primeiro tem
várias cenas de batalhas?
Rezende - A cidade cenográfica
de "Canudos" era de barro e palha. As roupas eram farrapos.
"Mauá" é muito mais complicado
e teria custado mais se fosse rodado após a alta do dólar. Os cenários mostram os palácios da elite e
usamos a verdadeira casa da marquesa de Santos, com mobília de
antiquários ou fazendo réplicas.
Ao contrário da Inglaterra, onde
se encontra tudo para filmagens,
no Brasil, temos de fazer tudo. Liverpool, atualmente, está numa
decadência terrível, mas vem tentando se tornar um pólo cinematográfico, com suas ruas originais.
Já se passou por cidade irlandesa
em "O Nome do Pai", por exemplo.
Folha - Como foi a experiência
na Inglaterra?
Rezende - Já conhecia o método
de produção britânico, pois filmei
"A Child from the South", em 91,
em Moçambique, na crise do Collor. Era uma produção britânica e
fui chamado para rodá-la, como
aconteceu com "Mauá".
Folha - Depois de Collor você
acabou se dando bem? E é visível que seu "Mauá" tem traços
do cinema britânico atual, como
personagens não-histriônicos e
de atitudes "contidas".
Rezende - Talvez, mas o que me
norteia mesmo é o cinema de
John Ford e de Nelson Pereira dos
Santos. O trunfo deles é a ausência de malabarismos. Se fosse basquete, eles seriam o Chicago Bulls,
não os Globe Trotters. E a beleza
do jogo é você andar com a bola e
metê-la na cesta. O mesmo vale
para o cinema. Rodar um plano-sequência para o crítico elogiar
não é comigo. Depois do Collor,
descobrimos que não somos a
Flórida e que teríamos de resolver
nossos problemas por aqui.
Folha - O projeto neoliberal de
FHC não indica o contrário?
Rezende - Bem, talvez na cultura esteja havendo um interesse
pelo país, como saber da nossa
história, com "Carlota Joaquina"
e "Guerra de Canudos".
Folha - Muitos colegas seus
abominam as superproduções e
dizem que um filme tem de ser
barato, até para se pagar.
Rezende - Estou com eles, pois
acabei de rodar semana passada
um filme de R$ 400 mil e equipe
de 12 pessoas, "Olhos Profundos", com atores desconhecidos.
O que acredito é no cinema possível. As superproduções vêm sendo o possível para os empresários,
e não os pequenos projetos. Já
pensou "Olhos Profundos" com
orçamento de "Mauá"? Impossível. E não é o custo que dá chances
de o filme ser pago ou não.
Folha - Como assim?
Rezende - Imaginemos que eu
tenha feito o "Titanic" e preciso
pagá-lo no mercado brasileiro.
Cerca de 15 milhões de pessoas o
assistiram. A R$ 4 reais o ingresso,
daria R$ 60 milhões. O filme, sabemos, custou cerca de US$ 200
milhões. O mercado brasileiro
não paga os filmes nacionais e estrangeiros.
Folha - Mas os filmes americanos dependem do mercado externo para se pagarem.
Rezende - Sim e como precisam
do teu mercado, te espirram para
fora. É um jogo bruto. Por isso
quero combater essa soberania
americana e não faço filmes só para mim e amigos. Defendo uma
conjugação da iniciativa privada
com a mão do Estado.
Folha - É um jeito político de
ver o cinema nacional. Aliás, você gosta de personagens históricos em seus filmes. Sua obra é
política ou politizada?
Rezende - Gosto sobretudo dos
aventureiros, dos homens comuns que viveram vidas incomuns, que estiveram à frente de
seu tempo. Lembra da cena de
"Blow Up", do Antonioni, em que
David Hemmings disputa o braço
de uma guitarra num show de
rock e, ao conseguir, a joga no lixo. A conquista é tudo, como
Mauá deixa claro no fim do filme.
Folha - Se fosse um personagem dos dias de hoje, Mauá seria mais um típico neoliberal?
Rezende - Sim, ele estaria em
outras, pois esse papo de globalização é conversa para boi dormir,
bacana para os Estados Unidos,
não para nós. Por isso, luto por
meu mercado e quero provar que
exibir meu filme em Aracaju, por
exemplo, é tão importante quanto
exibí-lo em Los Angeles.
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