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São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003

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TEATRO

Espetáculos de Moçambique, Cabo Verde e ilha da Reunião são destaques em megaevento sobre a arte do continente

África contemporânea entra em cena no Rio

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Vai ser muito importante ver o resultado do que os nossos antepassados que foram para aí vos legaram", afirma a diretora Manuela Soeiro, em bom português moçambicano. "Gostaria de vos dizer que a população de Cabo Verde é "doente" pelo Brasil. Segue as novelas todas, conhece os atores todos, vibra com a seleção canarinho, tem um Carnaval à imagem do brasileiro (à nossa escala, claro!)", diz o diretor João Branco.
A partir desse entrelaçamento histórico e cultural do Brasil com o continente africano, o megaevento Arte da África, que acontece na sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil até janeiro próximo, inclui na programação a Mostra de Teatro Africano. São três espetáculos daquele continente e um brasileiro.
A mostra começa hoje com uma temporada-dobradinha do Grupo Teatral do Centro Cultural Português do Mindelo (Cabo Verde), que apresenta o espetáculo "Palhaços Crioulos de Deus", e com o Bando de Teatro Olodum, de Salvador, dirigido por Márcio Meirelles, que traz uma das montagens de um repertório que valoriza a consciência negra, "Cabaré da Rrrrraça" (1998).
Na próxima semana, o grupo Mutumbela Gogo, de Moçambique, encena "Sexo? Sim, Obrigada - Ou a Arte de Guanguissar". No final de outubro, a mostra será encerrada pelo Théâtre Talipot, grupo que vem da ilha da Reunião, com o espetáculo "Kalla, o Fogo".
Moçambique e Cabo Verde são ex-colônias portuguesas (ilha da Reunião é francesa). Em entrevista à Folha, Soeiro e Branco relatam como fazem teatro forte em condições precárias.
O Mutumbela Gogo surgiu em 1986. Na língua local, "mutumbela" significa mascarado, referência ao Carnaval de Maputo. "Primeiro, trabalhamos a partir de contos, poemas ou excertos de romances que dramatizávamos por não termos textos de dramaturgos moçambicanos, e não ficávamos à espera deles. Tínhamos que avançar, trabalhar com nossos escritores", diz Soeiro, 58.
No caso de Cabo Verde, o desafio não foi propriamente canalizar energias para o nascimento de uma dramaturgia, mas antes reinventar estruturas elementares para dar à luz o fenômeno do teatro. "Tivemos o primeiro projetor em 1997, quase quatro anos depois de termos formado o grupo", afirma Branco, 35.
Segundo ele, a comédia "Palhaços Crioulos de Deus" pode ser definida como um espetáculo-coreografia baseado na figura do clown, que contrapõe a idéia de pecado tal como é imposta pela cultura ocidental. Por isso a eleição do tripé-alvo: a autoridade, a religião e o absurdo cotidiano.
"É um afrontamento a toda série de intermináveis proibições com as quais as sociedades se encarregam de socializar os seus indivíduos", diz Branco, assistente do português Miguel Seabra, que dirige o espetáculo.
Escrita por Jacopo Fo, filho de Dario Fo e Franca Rama, "Sexo? Sim, Obrigada..." é a peça adaptada pelo Mutumbela Gogo. Duas mulheres conversam sobre sexualidade, sobre a arte de conquistar. "É um texto que desmistifica o sexo e ataca os medos e preconceitos de uma forma provocativa, mas didática, com humor; brinca sem desprezar receios tão escondidos e profundos. É uma peça a favor da sexualidade sem discriminação", afirma Soeiro.

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