São Paulo, terça, 15 de dezembro de 1998

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RESENHA
É um dos cinco livros mais bacanas da década


LÚCIO RIBEIRO
Editor interino da Ilustrada

O primeiro impulso ao escrever uma resenha sobre este "Alta Fidelidade" é, antes, tascar de começo a lista das cinco principais bandas da minha vida, ou de meus cinco filmes preferidos em todos os tempos, ou das cinco garotas que mais marcaram minha existência. Mas a quem isso pode interessar?
Interessa a sujeitos como Rob Fleming, personagem do livro do escritor Nick Hornby, um dos principais nomes da recente literatura pop britânica, que tem um time do nível de Irvine Welsh, Will Self, Alain de Botton (suíço, vá lá), John King, Alex Garland.
Interessa à penca de ingleses que fez o livro vender 500 mil cópias em poucos meses de prateleiras, feito considerável para um romance indie de um escritor novato.
Interessa aos adolescentes de verdade e aos adolescentes de vinte e poucos anos e aos adolescentes de trinta e tantos anos.
Você mal começou a ler "Alta Fidelidade", já está completamente emocionado com a escrita de Nick Hornby, e lá pela página 28 esbarra no seguinte: "As pessoas se preocupam com o fato de as crianças brincarem com armas e de os adolescentes assistirem a vídeos violentos (...) Ninguém se preocupa com o fato de as crianças ouvirem milhares de canções sobre amores perdidos e rejeição e dor e infelicidade e perda. As pessoas romanticamente mais infelizes que conheço são as que mais gostam de música pop; e não sei se foi o pop que causou tal infelicidade, mas sei que elas vêm ouvindo as canções tristes há mais tempo do que vêm vivendo suas vidas infelizes".
A pensata acima decorre da mente de Rob Fleming, em um momento de reflexão sobre Charlie Nicholson, a quarta garota da listas das cinco que mais fizeram o coração de Rob doer em sua vida.
Rob é um sujeito que poderia ser eu ou você (você aí que tem entre uns 16 e uns 40, e tem algum interesse em música, cinema, livros, TV, relacionamentos...).
No caso do Rob de Nick Hornby, o cara tem 35 e depois 36 anos, mora à margem do descolado bairro londrino de Camden Town, abandonou a faculdade, tem uma loja de discos semifalida perto de Finsbury Park, já foi DJ de um clube pop londrino, tem sérios problemas com a monogamia, vive uma voraz crise dos 30 e acabou de levar um pé de sua namorada, Laura, que resolveu dar o fora com o moço do apartamento de cima.
"Alta Fidelidade" é a epopéia da reconstrução da vida de Rob sem Laura, ou a de um cara qualquer que perdeu sua garota, se levarmos em conta o tom confessional masculino imprimido por Hornby.
Com a agravante de que o sujeito em questão é tão obcecado por cultura pop que não consegue dissociá-la de sua própria vida, seja qual for a situação. Das lembranças não tão doces da infância à ida a um enterro, do complicado relacionamento com o pai à crise pessoal e financeira, tudo é tratado por Rob sob à luz da música pop, dos filmes antigos, das séries de TV e das listas dos cinco mais qualquer coisa.
Com "Alta Fidelidade", Nick Hornby cria uma espécie de literatura para ouvir, convidando aos livros a rapaziada britânica que torra salários atrás de música pop.
A cada página do livro, dá para ouvir, lá no fundo, uma trilha imaginária, com canções de gente como Bruce Springsteen, Beatles, Nirvana. Enquanto isso, Hornby desnuda com brilho o vazio da alma de um sujeito típico dos 90 que se recusa a abandonar o espírito adolescente mesmo aos 36 anos.
Talvez "Alta Fidelidade" seja um livro essencialmente feito para homens, dolorido e divertido, bobo e complexo. E, por expor demais a figura desse tal sujeito típico dos anos 90, é bom mantê-lo afastado das namoradas, como recomendou o crítico da revista "Details".
A propósito, a lista das minhas cinco bandas prediletas de todos os tempos é...



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