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RESENHA
É um dos cinco livros mais bacanas da década
LÚCIO RIBEIRO
Editor interino da Ilustrada
O primeiro impulso ao escrever
uma resenha sobre este "Alta Fidelidade" é, antes, tascar de começo a
lista das cinco principais bandas
da minha vida, ou de meus cinco
filmes preferidos em todos os tempos, ou das cinco garotas que mais
marcaram minha existência. Mas a
quem isso pode interessar?
Interessa a sujeitos como Rob
Fleming, personagem do livro do
escritor Nick Hornby, um dos
principais nomes da recente literatura pop britânica, que tem um time do nível de Irvine Welsh, Will
Self, Alain de Botton (suíço, vá lá),
John King, Alex Garland.
Interessa à penca de ingleses que
fez o livro vender 500 mil cópias
em poucos meses de prateleiras,
feito considerável para um romance indie de um escritor novato.
Interessa aos adolescentes de
verdade e aos adolescentes de vinte e poucos anos e aos adolescentes
de trinta e tantos anos.
Você mal começou a ler "Alta Fidelidade", já está completamente
emocionado com a escrita de Nick
Hornby, e lá pela página 28 esbarra
no seguinte: "As pessoas se preocupam com o fato de as crianças
brincarem com armas e de os adolescentes assistirem a vídeos violentos (...) Ninguém se preocupa
com o fato de as crianças ouvirem
milhares de canções sobre amores
perdidos e rejeição e dor e infelicidade e perda. As pessoas romanticamente mais infelizes que conheço são as que mais gostam de música pop; e não sei se foi o pop que
causou tal infelicidade, mas sei que
elas vêm ouvindo as canções tristes
há mais tempo do que vêm vivendo suas vidas infelizes".
A pensata acima decorre da
mente de Rob Fleming, em um
momento de reflexão sobre Charlie Nicholson, a quarta garota da
listas das cinco que mais fizeram o
coração de Rob doer em sua vida.
Rob é um sujeito que poderia ser
eu ou você (você aí que tem entre
uns 16 e uns 40, e tem algum interesse em música, cinema, livros,
TV, relacionamentos...).
No caso do Rob de Nick Hornby,
o cara tem 35 e depois 36 anos, mora à margem do descolado bairro
londrino de Camden Town, abandonou a faculdade, tem uma loja
de discos semifalida perto de Finsbury Park, já foi DJ de um clube
pop londrino, tem sérios problemas com a monogamia, vive uma
voraz crise dos 30 e acabou de levar
um pé de sua namorada, Laura,
que resolveu dar o fora com o moço do apartamento de cima.
"Alta Fidelidade" é a epopéia da
reconstrução da vida de Rob sem
Laura, ou a de um cara qualquer
que perdeu sua garota, se levarmos
em conta o tom confessional masculino imprimido por Hornby.
Com a agravante de que o sujeito
em questão é tão obcecado por cultura pop que não consegue dissociá-la de sua própria vida, seja qual
for a situação. Das lembranças não
tão doces da infância à ida a um enterro, do complicado relacionamento com o pai à crise pessoal e
financeira, tudo é tratado por Rob
sob à luz da música pop, dos filmes
antigos, das séries de TV e das listas dos cinco mais qualquer coisa.
Com "Alta Fidelidade", Nick
Hornby cria uma espécie de literatura para ouvir, convidando aos livros a rapaziada britânica que torra salários atrás de música pop.
A cada página do livro, dá para
ouvir, lá no fundo, uma trilha imaginária, com canções de gente como Bruce Springsteen, Beatles,
Nirvana. Enquanto isso, Hornby
desnuda com brilho o vazio da alma de um sujeito típico dos 90 que
se recusa a abandonar o espírito
adolescente mesmo aos 36 anos.
Talvez "Alta Fidelidade" seja um
livro essencialmente feito para homens, dolorido e divertido, bobo e
complexo. E, por expor demais a
figura desse tal sujeito típico dos
anos 90, é bom mantê-lo afastado
das namoradas, como recomendou o crítico da revista "Details".
A propósito, a lista das minhas
cinco bandas prediletas de todos
os tempos é...
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