|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Conheço todos os sabores do meu filme"
DO ""LE MONDE", EM COPENHAGUE
No fundo de um antigo campo
militar e atual base estratégica do
cinema escandinavo, onde tremula uma bandeira negra com a
inscrição "Filmbyen" (cidade do
cinema), o escritório de Lars von
Trier está instalado num antigo
arsenal. Mas as únicas "armas" visíveis são uma máquina de fliperama e uma bicicleta ergométrica.
E tampouco há qualquer coisa de
militar na acolhida jovial dada pelo autor de uma nova bomba cinematográfica sob a forma do
surpreendente "Dogville".
Pergunta - Rodado num set único, sem outra decoração senão indicações no chão e alguns acessórios, seu filme declara uma posição
estilística marcante. Esta precedeu
o relato ou é conseqüência dele?
Lars Von Trier - Comecei por escolher a história. O primeiro "clique" foi o fato de jornalistas americanos terem me criticado por ter
situado "Dançando no Escuro"
nos EUA sem nunca ter ido para
lá. Como se Hollywood fosse aos
lugares que se mete a representar!
Sou uma pessoa obstinada -essa
é sem dúvida minha qualidade
principal-, então decidi situar
meus próximos filmes nos EUA.
Este é situado nas Rochosas, o
próximo será no Alabama.
Depois disso, pensei em "Jenny
e os Piratas", a canção da "Ópera
dos Três Vinténs" que conta uma
história de vingança, exatamente
o tipo de sentimento que minha
mãe me ensinou a condenar. Apesar disso, ela adorava Bertolt
Brecht. Pensei em minha mãe e
em Brecht e isso me fez pensar
numa espécie de mapa, de geografia abstrata. Foi assim que cheguei a esse estilo de direção. Se eu
o tivesse escolhido de antemão,
teria jogado mais, teria feito coisas
mais hábeis a partir do fato de que
os personagens não devem, supostamente, se ver, mas que nós
os vemos a todos. O resultado teria sido mais sofisticado, menos
interessante. A experiência me
ensinou a não ser habilidoso demais. Detesto essa ideologia da
eficácia, tão americana.
Pergunta - Ao mesmo tempo em
que tem lugar na América da época
da Lei Seca e da Depressão, o filme
não se situa no imaginário ocidental? Você utiliza clichês (o povoado,
os gangsters, a filha perdida, etc.)
que o cinema difundiu no mundo.
Von Trier - É claro que essa
"América" é um espelho que tem
por objetivo estimular a imaginação. Eu nunca filmei pessoas de
maneira realista. Acho muito
mais divertido, comovente e interessante inventar regras de jogo
particulares. Mas, a partir disso, é
preciso respeitar essas regras.
Pergunta - Em seus filmes anteriores, você se ressentiu do fato de
precisar de cenário?
Von Trier - Não. Mas o problema
no cinema é que, dentro do quadro, tudo faz sentido. Ao conservar apenas os atores e alguns objetos de cena, posso me concentrar
sobre aquilo que me interessa.
Pergunta - Mais uma vez você optou por uma câmera muito móvel.
Von Trier - Gosto da câmera segurada na mão, por tudo o que ela
capta de imprevisto. Não gosto de
ter tudo sob controle. Não tenho
vontade de compor quadros, detesto essa idéia de imagens construídas. O que eu quero é direcionar o olhar como um dedo que
aponta para cá ou para lá.
Pergunta - Por que você mesmo
quer segurar a câmera?
Von Trier - Em primeiro lugar,
para estar o mais perto possível
dos atores. A vantagem da câmera
de vídeo é que você pode rodar
durante horas sem interrupção.
Não faço cortes entre as tomadas
-rodamos uma cena, conversamos, recomeçamos, e a câmera
registra tudo. É como um jogo. É
exaustivo, também, mas minha
relação com o filme é muito diferente daquela de um diretor que
permanece atrás de seu monitor.
Ao segurar a câmera, sei de tudo o
que filmei. Sou como um cozinheiro que sabe quando falta um
pouco de tempero. Conheço todos os sabores de meu filme.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Jogo da Amarelinha Próximo Texto: Cinema/estréias: Ela disse, ele disse Índice
|