São Paulo, Sábado, 16 de Janeiro de 1999
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CRÍTICA
Dorfman nivela algozes e vítimas

da Redação

Uma mulher alemã, noiva de um refugiado, chega a Paris, entra num quarto de hotel, o telefone toca. É o início de uma conversa de nove horas com um estranho. Ele, também um refugiado alemão, tenta convencê-la de que está em perigo e de que ela é -apesar de nunca terem se encontrado antes- a mulher de seus sonhos.
"Konfidenz" é construído por meio de diálogos que confrontam os poderes de persuasão e a credibilidade dos personagens.
Ela é Bárbara, tem 20 anos, está apaixonada e quer saber onde está o noivo, Martin. Ele, Leo, ajuda refugiados que buscam abrigo do nazismo na França.
O fato de que o diálogo se trava entre dois alemães que fogem do regime de Hitler só fica claro no meio do livro. Isso porque Dorfman reforça que o local onde nasceram não é importante. "Konfidenz" quer mostrar como se comportam no dia-a-dia as pessoas que vivem regimes opressores, independente do tempo e do espaço. E confessa, na narrativa "desejava avidamente que Leo e Bárbara fossem latino-americanos".
O diálogo incessante que conduz a trama tem um ritmo homogêneo, deixando obscuro o verdadeiro clímax -o momento em que os protagonistas transam-, que acaba sendo narrado apenas como uma lembrança de um deles.
A todo o momento é possível perceber que as personagens se utilizam dos artifícios do regime para combatê-lo: a dissimulação, a persuasão, a mentira que conforta e justifica. O referencial e os limites do que é verdade e do que é discurso ficam cada vez mais nebulosos.
Dorfman deixa claro que o narrador de "Konfidenz" só enxerga o que Leo vê. Fazendo-se passar por um observador simultâneo dos fatos, muitas vezes se confunde com as contradições, nebulosidade e confusão pelas quais passa a mente de Leo, o que provoca lacunas e incoerências na sua narrativa.
A relação entre confidência e clandestinidade e como os homens vivem nesse cenário determina as atitudes dos personagens, que sussurram, conversam por imagens fotográficas e cartas cifradas. Espionam e são espionados.
Existe um segundo observador, além do narrador-Dorfman, que permeia a história. Sua figura é misteriosa e só se justifica por (e para) quebrar a dicotomia de bandidos e mocinhos, mostrando que, numa situação de opressão, algozes e vítimas confundem-se. (SC)


Livro: Konfidenz
Autor: Ariel Dorfman
Lançamento: Record
Quanto: a definir




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