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A última peça
GERALD THOMAS
de Nova York
A cena lembrava mais um filme
sobre a Máfia. Cinco rapazes, em
pé, aguardavam uma quentinha e
não mexiam um só músculo facial.
Plantados na entrada do restaurante (como se aquilo fosse um velório), não diziam uma só palavra.
Giuseppe, dono do melhor restaurante na pequena cidade italiana de Pontedera, andava pra lá e
pra cá, freneticamente, agitava os
braços, gritava com seus funcionários, entrava na cozinha e checava
as panelas, infernizava a vida de todos os clientes e só relaxava quando a "quentinha" era entregue nas
mãos de uma das não menos que
cinco pessoas que a aguardavam.
"O Poncho (apelido carinhoso de
Grotowski) hoje queria a comida
dele mais cedo", desabafava Giuseppe, aliviado com a entrega da
quentinha e o final, temporário, da
cena macabra.
Também pudera, esses cinco rapazes estavam desde as sete da manhã fazendo exercícios fúnebres,
workshops sobre os rituais da
morte.
Mas isso tudo já faz quase uma
década. Hoje o mundo do teatro,
desde Susuki no Japão, Antunes no
Brasil a Peter Brook em Paris, está
de luto. Morreu o último (e na opinião de muitos, o único) grande revolucionário do teatro nessa última metade de século.
Morreu aquele que havia estendido os limites do teatro como nenhum outro. E não há quem possa
negar a influência dele. Até mesmo
a palavra "workshop", tão comum
em meios teatrais, foi inventada
por Jan Kott (outro dramaturgo
polonês, amigo e colaborador de
Grotowski), a partir dos exercícios
físicos -e da utilização somente
do corpo e dos gestos como forma
de manifestação teatral- inventados por Grotowski.
Ele odiava a palavra. "É por causa
dela que nascem todos os mal-entendidos da humanidade", dizia
Grotowski, diariamente, ao introduzir sua maratona diária em Pontedera, onde decidira estabelecer
seu centro de pesquisas teatrais.
"A palavra só serve pra evitar a
comunicação", prosseguia ele na
frente de uma turma de devotos fixados, "e sua pobreza é tão óbvia
que todas as guerras terminam
com milhares de corpos mortos,
mudos, espalhados pelo chão."
Nunca vou me esquecer do impacto que essa frase teve sobre
mim, que passei oito meses em
Pontedera em 1991, dirigindo o seu
grupo. Grotowski estava, na verdade, havia anos, encenando seu próprio funeral. Obcecado pela morte,
como qualquer cidadão da Europa
Central, a vida e obra desse ser genial foi dedicada a escapar dela.
Seu teatro era um eterno pensamento em torno do materialismo e
da insignificância dos valores materiais na vida dos seres humanos.
Ainda no início da década, chegou
ao extremo de considerar o próprio ato teatral, com lugar fixo, hora marcada e ingresso pago, um
ato materialista deplorável.
Por isso, estava se dedicando ao
estudo de suas próprias obsessões
fechado, enclausurado nessa cidadela onde ninguém poderia vê-lo.
Hoje Grotowski conseguiu, finalmente, estrear essa peça que ensaiava havia anos, décadas.
E, assim como ele mesmo queria,
o fará sozinho, exilado como sempre foi, e ninguém poderá ter o privilégio de assisti-lo.
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