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Artista cultuava perfeição
SÉRGIO DE CARVALHO
especial para a Folha
Grotowski, como quase sempre
os verdadeiros artistas, tinha o culto da perfeição. No caso dele isso
resultava -o que nem sempre
ocorre- numa prática da perfeição.
Exigência não restrita a sua obra
teatral, mas a todo seu modo de ser
artista. Ao mesmo tempo uma alma religiosa e um oficiante do materialismo das salas de ensaio, em
sua trajetória se delineia algo da
sentença de Novalis: "Procuramos
o absoluto em toda a parte e só encontramos coisas". Abençoadas
coisas.
Modelo de uma geração
Quando das conferências que
deu no Brasil dois anos atrás, talvez a lembrança hoje mais forte seja a de uma história contada por ele
sobre o pintor de afrescos de uma
igreja, que se incumbiu de desenhar com igual perfeição os ícones
do alto da torre, mesmo aqueles
tão distantes que de baixo jamais
seriam vistos. Eram pinturas voltadas para Deus.
Na verdade, não existe uma ruptura entre o Grotowski dos anos
60, no Teatro Laboratório de Wroclav, e o artista que nos últimos
anos não mais produzia arte destinada ao público.
Mesmo sua fase estética nunca se
guiou pelos parâmetros normais
da "produção" teatral de consumo. Foi por isso que se tornou modelo para uma geração que a partir
dele revalorizou noções como a de
"teatro de pesquisa" e de "treinamento do ator".
Em 1965, produziu uma obra-prima teatral, materializada na interpretação do ator Riszard Ciezlak no espetáculo "O Príncipe
Constante", partitura de ações tão
precisa que, com quatro anos de
intervalo, permitiu que a filmagem
antiga e a sonorização posterior
coincidissem sem problemas de
sincronia.
Mas já não era a relação estética
que importava, e sim a depuração
ascética do espetáculo, a redução
de todos os elementos ao núcleo de
ação do ator, numa cena que causava o máximo do assombro por
meio da negação absoluta do "efeito" teatral.
"Espetacularidade"
A via negativa grotowskiana na
procura do Absoluto teria mesmo
que passar pela superação da "espetacularidade" destinado ao público.
Se há quase 30 anos ele dizia não
fazer mais teatro, é porque de um
certo modo nunca fez. Sobre o trabalho dos últimos anos com um
grupo fechado de pesquisas, localizado em Pontedera, na Itália, desenvolvendo um treinamento com
cantos vibratórios e ações físicas
(releituras de Stanislavski), não
creio ser mentira dizer que era um
estudo de uma técnica de elevação
metafísica.
Embora o próprio Grotowski comentasse : "Mas, se não servir para
mais nada, eles vão aprender a
cantar muitíssimo bem".
Arte monástica
A arte como veículo de Grotowski, monástica, voltada para si própria, incomodava mais aos que
idealizam o teatro, do que aos que
acham que o teatro tem mesmo
que servir a razões que estão fora
dele.
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