São Paulo, Sábado, 16 de Janeiro de 1999
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Artista cultuava perfeição


SÉRGIO DE CARVALHO
especial para a Folha

Grotowski, como quase sempre os verdadeiros artistas, tinha o culto da perfeição. No caso dele isso resultava -o que nem sempre ocorre- numa prática da perfeição.
Exigência não restrita a sua obra teatral, mas a todo seu modo de ser artista. Ao mesmo tempo uma alma religiosa e um oficiante do materialismo das salas de ensaio, em sua trajetória se delineia algo da sentença de Novalis: "Procuramos o absoluto em toda a parte e só encontramos coisas". Abençoadas coisas.

Modelo de uma geração
Quando das conferências que deu no Brasil dois anos atrás, talvez a lembrança hoje mais forte seja a de uma história contada por ele sobre o pintor de afrescos de uma igreja, que se incumbiu de desenhar com igual perfeição os ícones do alto da torre, mesmo aqueles tão distantes que de baixo jamais seriam vistos. Eram pinturas voltadas para Deus.
Na verdade, não existe uma ruptura entre o Grotowski dos anos 60, no Teatro Laboratório de Wroclav, e o artista que nos últimos anos não mais produzia arte destinada ao público.
Mesmo sua fase estética nunca se guiou pelos parâmetros normais da "produção" teatral de consumo. Foi por isso que se tornou modelo para uma geração que a partir dele revalorizou noções como a de "teatro de pesquisa" e de "treinamento do ator".
Em 1965, produziu uma obra-prima teatral, materializada na interpretação do ator Riszard Ciezlak no espetáculo "O Príncipe Constante", partitura de ações tão precisa que, com quatro anos de intervalo, permitiu que a filmagem antiga e a sonorização posterior coincidissem sem problemas de sincronia.
Mas já não era a relação estética que importava, e sim a depuração ascética do espetáculo, a redução de todos os elementos ao núcleo de ação do ator, numa cena que causava o máximo do assombro por meio da negação absoluta do "efeito" teatral.

"Espetacularidade"
A via negativa grotowskiana na procura do Absoluto teria mesmo que passar pela superação da "espetacularidade" destinado ao público.
Se há quase 30 anos ele dizia não fazer mais teatro, é porque de um certo modo nunca fez. Sobre o trabalho dos últimos anos com um grupo fechado de pesquisas, localizado em Pontedera, na Itália, desenvolvendo um treinamento com cantos vibratórios e ações físicas (releituras de Stanislavski), não creio ser mentira dizer que era um estudo de uma técnica de elevação metafísica.
Embora o próprio Grotowski comentasse : "Mas, se não servir para mais nada, eles vão aprender a cantar muitíssimo bem".

Arte monástica
A arte como veículo de Grotowski, monástica, voltada para si própria, incomodava mais aos que idealizam o teatro, do que aos que acham que o teatro tem mesmo que servir a razões que estão fora dele.


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