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LIVRO LANÇAMENTO
Isabel Allende faz tratado sobre afrodisíacos
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local
Tudo começou com a maçã
dada por Eva a
Adão -ou seja,
desde o princípio o alimento
parece estar ligado ao sexo.
Daí às beberagens e filtros do
amor, aos vegetais de sabor e formato sugestivos, às especiarias
orientais e à carne crua de certos
moluscos que evocam a carne ela
mesma, está tudo lá, no novo livro
de Isabel Allende, ""Afrodite".
Para justificar a obra, um divertido tratado sobre os afrodisíacos, a
chilena de 56 anos, sobrinha do
presidente deposto Salvador
Allende, usa o pretexto dos calores
surgidos com a idade: já no prólogo, diz que, embora o cinquentenário seja como ""a última hora da
tarde", em lugar de tê-la levado à
reflexão, instiga-a ao pecado.
O livro é, portanto, todo luxúria.
Foi concebido quando, após passar três anos chorando a morte de
sua filha Paula -sobre a qual se
detém no livro homônimo publicado em 95-, Isabel Allende começou a ter estranhos sonhos eróticos relacionados à comida.
No primeiro deles, sonhava que
mergulhava em uma piscina cheia
de arroz-doce; uma semana depois, sonhou que colocava o ator
espanhol Antonio Banderas nu sobre uma ""tortilla" mexicana, com
abacate e molho picante por cima,
como um ""burrito" humano. Seguiram-se muitos outros, tão indecifráveis quanto.
A mãe dela, Panchita, autora da
maior parte das receitas propriamente ditas que compõem o livro,
aconselhou-a a procurar um psiquiatra ou um cozinheiro. Isabel
decidiu ""enfrentar o problema"
escrevendo. ""Assim, pouco a pouco, quilo a quilo e beijo a beijo, nasceu esse projeto", diz.
A pesquisa é vasta, garimpada
pela autora em livros eróticos e ancestrais guias do amor, como o indiano ""Kama Sutra", ou clássicos,
como ""As Mil e Uma Noites" e o
""Cântico dos Cânticos", do rei Salomão. São citadas receitas de escritores como Pablo Neruda, que
ensina a preparar um poético caldo de congro (espécie de enguia).
A escritora também admite ter se
apoderado de informações de
meia centena de autores, cujos textos consultou, e que não cita pelo
tédio de elaborar uma bibliografia.
Explica: ""Copiar de um autor é plágio, copiar de muitos é pesquisa".
Pode não parecer 100% honesto
para alguns puristas da academia,
mas o resultado obtido faz valer a
pena a apropriação. Ela construiu
um painel extremamente gracioso
do erotismo no decorrer dos séculos, pincelado, aqui e ali, por histórias reais de amigos (exageradas à
sua maneira) e frases lapidares.
Algumas delas: ""Um homem que
cozinha é sexy, a mulher não". Ou:
""Erótico é usar uma pena; pornográfico é usar a galinha". E ainda,
quando fala do conforto dos velhos
amantes, comparados por ela a
confortáveis sapatos de andar pela
casa: ""Em minha idade provecta
descobri o prazer de estar casada
com as pantufas".
É uma frase que diz muito sobre
o livro. Mais do que escrever para
amantes jovens, recém-iniciados,
que já possuem ""o único afrodisíaco verdadeiramente infalível" (a
paixão), Allende quer demonstrar
o poder que as pequenas surpresas
e agrados cotidianos têm na difícil
tarefa de renovar o ardor amoroso.
Sopas para a reconciliação, jantares superelaborados para a conquista, vinhos para um convencimento mais fácil -as próprias receitas ""afrodisíacas" que experimentou para o livro têm mais efeito se antes propostas como tais para os amantes sedentos de novidades em sua monotonia de casal.
Segundo a bem-humorada Isabel, depois que provaram as receitas do livro, ela e seus cúmplices
sofreram mudanças radicais: as
dores nos ossos de Robert Shekter,
o ilustrador, diminuíram, e ele
agora quer comprar um veleiro.
Panchita (a mãe e cozinheira) parou de rezar o terço, Carmen Balcells (a agente literária) ficou com
uma pele de porcelana e a própria
Isabel fez uma tatuagem de camarão no umbigo...
Mais: os maridos delas ""andam
aos saltos e com as pupilas dilatadas", surpreendendo-as atrás das
portas. ""Se estes pratos obtiveram
tanto sucesso com velhotas como
nós", assegura Isabel Allende, ""o
que não poderão fazer por você?"
Ainda que não dê certo, seduzir o
estômago já é uma forcinha.
Livro: Afrodite
Autora: Isabel Allende
Lançamento: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 42 (328 págs.)
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