São Paulo, Sábado, 16 de Janeiro de 1999
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LIVRO LANÇAMENTO
Isabel Allende faz tratado sobre afrodisíacos

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local


Tudo começou com a maçã dada por Eva a Adão -ou seja, desde o princípio o alimento parece estar ligado ao sexo. Daí às beberagens e filtros do amor, aos vegetais de sabor e formato sugestivos, às especiarias orientais e à carne crua de certos moluscos que evocam a carne ela mesma, está tudo lá, no novo livro de Isabel Allende, ""Afrodite".
Para justificar a obra, um divertido tratado sobre os afrodisíacos, a chilena de 56 anos, sobrinha do presidente deposto Salvador Allende, usa o pretexto dos calores surgidos com a idade: já no prólogo, diz que, embora o cinquentenário seja como ""a última hora da tarde", em lugar de tê-la levado à reflexão, instiga-a ao pecado.
O livro é, portanto, todo luxúria. Foi concebido quando, após passar três anos chorando a morte de sua filha Paula -sobre a qual se detém no livro homônimo publicado em 95-, Isabel Allende começou a ter estranhos sonhos eróticos relacionados à comida.
No primeiro deles, sonhava que mergulhava em uma piscina cheia de arroz-doce; uma semana depois, sonhou que colocava o ator espanhol Antonio Banderas nu sobre uma ""tortilla" mexicana, com abacate e molho picante por cima, como um ""burrito" humano. Seguiram-se muitos outros, tão indecifráveis quanto.
A mãe dela, Panchita, autora da maior parte das receitas propriamente ditas que compõem o livro, aconselhou-a a procurar um psiquiatra ou um cozinheiro. Isabel decidiu ""enfrentar o problema" escrevendo. ""Assim, pouco a pouco, quilo a quilo e beijo a beijo, nasceu esse projeto", diz.
A pesquisa é vasta, garimpada pela autora em livros eróticos e ancestrais guias do amor, como o indiano ""Kama Sutra", ou clássicos, como ""As Mil e Uma Noites" e o ""Cântico dos Cânticos", do rei Salomão. São citadas receitas de escritores como Pablo Neruda, que ensina a preparar um poético caldo de congro (espécie de enguia).
A escritora também admite ter se apoderado de informações de meia centena de autores, cujos textos consultou, e que não cita pelo tédio de elaborar uma bibliografia. Explica: ""Copiar de um autor é plágio, copiar de muitos é pesquisa".
Pode não parecer 100% honesto para alguns puristas da academia, mas o resultado obtido faz valer a pena a apropriação. Ela construiu um painel extremamente gracioso do erotismo no decorrer dos séculos, pincelado, aqui e ali, por histórias reais de amigos (exageradas à sua maneira) e frases lapidares.
Algumas delas: ""Um homem que cozinha é sexy, a mulher não". Ou: ""Erótico é usar uma pena; pornográfico é usar a galinha". E ainda, quando fala do conforto dos velhos amantes, comparados por ela a confortáveis sapatos de andar pela casa: ""Em minha idade provecta descobri o prazer de estar casada com as pantufas".
É uma frase que diz muito sobre o livro. Mais do que escrever para amantes jovens, recém-iniciados, que já possuem ""o único afrodisíaco verdadeiramente infalível" (a paixão), Allende quer demonstrar o poder que as pequenas surpresas e agrados cotidianos têm na difícil tarefa de renovar o ardor amoroso.
Sopas para a reconciliação, jantares superelaborados para a conquista, vinhos para um convencimento mais fácil -as próprias receitas ""afrodisíacas" que experimentou para o livro têm mais efeito se antes propostas como tais para os amantes sedentos de novidades em sua monotonia de casal.
Segundo a bem-humorada Isabel, depois que provaram as receitas do livro, ela e seus cúmplices sofreram mudanças radicais: as dores nos ossos de Robert Shekter, o ilustrador, diminuíram, e ele agora quer comprar um veleiro. Panchita (a mãe e cozinheira) parou de rezar o terço, Carmen Balcells (a agente literária) ficou com uma pele de porcelana e a própria Isabel fez uma tatuagem de camarão no umbigo...
Mais: os maridos delas ""andam aos saltos e com as pupilas dilatadas", surpreendendo-as atrás das portas. ""Se estes pratos obtiveram tanto sucesso com velhotas como nós", assegura Isabel Allende, ""o que não poderão fazer por você?" Ainda que não dê certo, seduzir o estômago já é uma forcinha.


Livro: Afrodite
Autora: Isabel Allende
Lançamento: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 42 (328 págs.)




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