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Não há corrente predominante na nova safra de compositores do país
especial para a Folha
Custos baixos e almas heróicas
vêm provocando uma grande mudança na discografia da música
contemporânea brasileira. Até
pouco tempo, praticamente não
havia registros da produção dos
compositores, salvo exceções, como os discos do Grupo Novo Horizonte, ou o registro dos festivais de
música eletroacústica do estúdio
Panaroma de São Paulo. De quase
nada até quase tudo é um longo e
improvável caminho; mas a situação, quem diria, melhorou.
A distribuição permanece um
problema, mas com um pouco de
esforço e um pouco de sorte já se
pode ter uma idéia do que vem
sendo composto e tocado no país.
A amostragem é variada e inclui
desde a série de mini-CDs "Música
Eletrônica 90s", inaugurada pela
"Ballade Dure", de Jorge Antunes,
até a coletânea "Poesia Paulista",
reunindo 12 canções de José Augusto Mannis, Eduardo Guimarães Álvares e Achille Pichi, num
projeto idealizado por Dante Pignatari.
Cabe mencionar ainda o esforço
recente de grupos brasileiros não
só na criação da música nova, mas
também na recriação da antiga,
nem por isso melhor conhecida.
Exemplos são o CD (selo Paulus)
da Camerata Novo Horizonte, regida por Graham Griffiths, interpretando o "Officium 1816", do padre José Maurício Nunes Garcia
(1767-1830), e "Chiquinha Gonzaga por Clara Sverner" (Ergo), lançado no momento oportuno em
que a Rede Globo exibe sua minissérie sobre a primeira regente e feminista pioneira do país.
Seria injusto, nesse contexto, não
chamar a atenção, também, para o
CD do Quinteto D'Elas (Paulus),
que interpreta peças da esquecida
compositora francesa Louise Farrenc (1804-75).
Voltando à música contemporânea, dois discos merecem destaque. "Prelúdios em Porto Alegre",
da pianista Luciane Cardassi, reúne peças de oito compositores, começando com os três "Sonhos", de
Armando Albuquerque (1901-86),
mestre de três gerações de compositores porto-alegrenses, e chegando até Fernando Mattos, James
Correa e Lourdes Saraiva, todos
nascidos na década de 60.
"Round About Debussy", de Flávio Oliveira (1944), é uma espécie
de fantasmagoria musical: Debussy sem música, os gestos mais
característicos do compositor
francês repetidos no vazio de seu
futuro, roubados de sentido.
"Terra Selvagem", de Bruno Kiefer (1923-87), faz companhia aos
"Sonhos", de Albuquerque, embora num idioma mais moderno. Para os gaúchos, os dois nomes vão
quase sempre juntos: são os patriarcas de uma tradição "in progress".
O maior responsável pela transmissão e transformação desse legado é Celso Loureiro Chaves
(1950). Seu "Estudo Paulistano",
escrito no ano passado, é um exercício virtuosístico para mão esquerda, que parte de uma citação
de Benjamin Britten e percorre
uma mini-odisséia da memória,
com direito a excursões pelo bairro judaico do Bom Fim e pelos tiroteios das ruas do Rio de Janeiro.
Tudo somado, é um disco irregular, oscilando entre peças mais maduras, como essas, e prelúdios para uma outra música que ainda
não chegou. Luciana Cardassi tem
mais segurança do que fantasia,
mas está bem à vontade no repertório. A idéia do disco é, no mínimo, digna de elogio e a sua mera
realização um alento. Oxalá houvesse mais projetos como esse.
Outro disco que merece ser ouvido é a coleção de "Bazulaques Brasileiros", de Livio Tragtenberg e
Marcelo Brissac. São 12 peças para
piano preparado, para quatro
mãos, mais uma suíte de composições eletroacústicas, todas de 1991.
Pergunta legítima: que sentido faz
hoje "preparar" um piano (prender parafusos, pregos etc. entre as
cordas) à maneira clássica de John
Cage na década de 40? Resposta legítima: por que não se o instrumento servir como instrumento, e
não como fim? Tragtenberg e Brissac fazem do seu piano um objeto
não-identificado da percussão
brasileira e traduzem as "Sonatas e
Interlúdios" de Cage para um ambivalente paraíso tropical.
Sem pretensão de maior originalidade, o disco é simpático e bem-humorado. Mais badulaques do
que bazucas, embora a proporção
tenda a se inverter nas peças para
fita magnética, que são mais ambiciosas e menos interessantes.
Que cada disco desses seja tão diferente dos outros só pode ser um
bom sinal: não há uma corrente
predominante na música contemporânea brasileira, e cada um está
livre para compor como quiser. Livre para compor: nada mais difícil,
para qualquer compositor novo,
achando sua voz no meio da geléia
geral. Livre para ser ouvido: uma
educação necessária para todos,
compositores e ouvintes. Que venham mais CDs.
(AN)
Disco: Prelúdios em Porto Alegre
(independente)
Pianista: Luciane Cardassi
Quanto: R$ 18, em média
Disco: Bazulaques Brasileiros
Lançamento: DMM
Quanto: R$ 18, em média
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