São Paulo, sábado, 16 de março de 2002

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Retrospectiva percorre pesquisa de Ivens Machado sobre o concreto

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

"Eu acho que eu sempre me vi como uma pessoa que fazia arte. Hoje em dia, talvez a partir dessa exposição, desse momento, eu possa me dizer outra coisa: um artista que também é uma pessoa."
A autodefinição de Ivens Machado, 59, precisa a importância que uma retrospectiva tem para sua obra. Depois de 30 anos de carreira e 13 sem expor em São Paulo, o artista/pessoa volta à cidade com suas esculturas em concreto, cacos de vidro e folhas de caderno cujas pautas se entrelaçam para, pela primeira vez, passar em revista sua produção.
"Ivens Machado - O Engenheiro de Fábulas" pretende justamente aproximar o público e as obras de Ivens Machado, mais conhecidas na Europa do que no Brasil. "Em Milão sou conhecido na rua. No Brasil, tenho certeza de que daqui a três meses ninguém se lembra de mim. Eu, como já trabalho pouco e tenho essa inserção muito estranha dentro do circuito, a cada exposição tenho que apresentar tudo de novo", afirma.
A responsabilidade pela distância entre sua obra e o público, no entanto, é assumida pelo próprio artista, que se isolou e optou pela aparição bissexta, sem, no entanto, deixar de produzir. "A partir do final dos anos 70, eu comecei a me dedicar a uma percepção muito mais conectada não com o processo da arte nem com a evolução dos trabalhos de arte nem com a história, mas com a realidade. E eu não só sou isolado como ajudei as pessoas a me isolar."
Um isolamento relativo, até, pois ele participou de cinco bienais (a primeira, em 73, e a mais recente, em 98) e está presente em bastantes coleções particulares, muitas das quais cederam peças para a exposição na Pinacoteca. Seu isolamento aconteceu mais em relação a uma "compartimentação" da arte. "Eu me nego a participar desse processo de inserção no campo da arte, me nego a estar inserido dentro de um contexto, tanto que cada vez eu estou mais estranho. Acho que é uma tentativa de não me inserir, de continuar fora, de não ser impedido de fazer o que quero."
Não à toa, dois dos principais elementos de seus trabalhos remetem ao isolamento: o concreto, que abre espaços amplos na paisagem urbana ou se molda em pedaços maciços na obra de Ivens; e os cacos de vidro, que se impõem pela iminência da dor. "O concreto se dá por causa do meu deslocamento. Peguei os elementos populares da construção e trouxe para um outro campo. Acho que a originalidade também é um pouco ajudada pelo material." Quanto aos cacos, Ivens afirma fazer "um outro deslocamento, porque meus primeiros projetos com cacos vêm exatamente do caco de vidro no muro. Ao mesmo tempo em que eles limitam o outro, eles também "te" limitam, pois têm como uso inicial exatamente essa coisa ligada ao comportamento, à defesa, à propriedade".
É no cotidiano que Ivens busca sua inspiração. Nas pautas das folhas de caderno, nos cacos, no aço ou no concreto, ele traça um mundo todo próprio. Hegel dizia que a atividade da fantasia e a exigência da execução da técnica constituem a inspiração. Ivens, portanto, está cheio dela.


IVENS MACHADO - O ENGENHEIRO DE FÁBULAS - Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, SP, tel. 0/xx/11/229-9844). Quando: hoje, às 19h; de ter. a dom., das 10h às 18h. Quanto: entrada franca. Patrocinador: Petrobras.



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