São Paulo, segunda, 16 de março de 1998

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DANÇA
Emblema do governo soviético por décadas, teatro passa por dificuldades financeiras e disputas internas
Bolshoi agoniza em meio ao caos econômico



CRAIG WILSON
das agências internacionais

"O Bolshoi está agonizando." Essa sentença de morte podia ser ouvida ao longo de todo o ano passado dos lábios dos mais diversos personagens da cultura russa; de vice-ministros a críticos musicais, passando por bailarinos e cantores. Repetiam o que já se vinha dizendo há anos, quando Yuri Grigorovich ainda dirigia o mais famoso teatro de ópera e balé russo.
Acusado de ser um ditador, ele foi destituído em 1995, depois de ter reinado com mão de ferro sobre o Bolshoi por três décadas. Para sucedê-lo, foi nomeado Vladimir Vasiliev. Mas não é por isso que o Bolshoi saiu da crise ou deixou de ser um lugar de conflitos.
O Bolshoi, na Rússia, foi muito mais do que principal teatro de ópera e balé do país. Durante anos foi o emblema da União Soviética e, da mesma forma que as realizações soviéticas na conquista do espaço, era usado pelos dirigentes soviéticos para alardear as conquistas do sistema socialista.
Os êxitos do Bolshoi em suas turnês no exterior eram considerados como triunfos da União Soviética. Daí vem o apoio que o Kremlin sempre deu ao balé, o que por sua vez explica de que maneira os bailarinos e cantores dessa organização foram sempre verdadeiros privilegiados ao longo das décadas de domínio comunista.
Mas a desintegração da União Soviética acabou com essa mais-valia do Bolshoi, e o teatro começou a sofrer problemas financeiros na transição para a economia de mercado. E isso foi ainda mais agravado pelas disputas internas que envenenavam a vida do teatro.
A Grigorovich foi atribuída a culpa por causar uma crise sem precedentes no Bolshoi, por expulsar grandes figuras do balé a quem não dava oportunidade de expressão e por levar o legendário teatro à paralisia criativa, já que praticamente todos os balés do repertório do grupo eram dirigidos por ele.
A bem da verdade, é preciso lembrar que sob Grigorovich o Bolshoi viveu uma renovação artística e criativa, e a contribuição dele ao balé russo é realmente preciosíssima. Entre as obras que montou estão "Spartacus", com Vladimir Vasiliev, o grande bailarino que mais tarde entraria em conflito com Grigorovich e se veria obrigado a abandonar o Bolshoi. Paradoxalmente, Vasiliev foi escolhido como sucessor de Grigorovich e agora é alvo das mesmas acusações que antes fazia a seu mestre e rival.
O florescimento do Bolshoi sob Grigorovich durou duas décadas, e apenas em seus últimos dez anos de comando -que curiosamente coincidiram com a perestroika, a época de transição da sociedade russa- pôde-se começar a vislumbrar o começo de uma profunda crise.
Vasiliev não foi o único a ter de sair do Bolshoi; outras figuras importantes do balé russo também brigaram com Grigorovich e se afastaram como inimigos, entre as quais a famosa bailarina Maya Plissetskaia e Gediminas Tarandá, para citar apenas dois entre muitos.
Plissetskaia garante que a culpa pela paralisia artística do Bolshoi cabe a Raíssa Maximovna, mulher do ex-líder soviético Mikhail Gorbatchev. "Foi ela que deu carta branca a Grigorovich, a quem a unia uma amizade nascida do fato de a neta de Gorbatchev estudar na escola de balé", disse a grande bailarina russa há algum tempo.
Plissetskaia preside, desde 1994, o Balé Imperial Russo, companhia que tem Tarandá por diretor artístico. Esse bailarino foi também uma das grandes figuras do Bolshoi, onde atuou de 1980 a 1994, quando se converteu em uma das últimas "vítimas" de Grigorovich.
Quando Vladimir Vasiliev, excelente bailarino e coreógrafo, substituiu Grigorovich como diretor do Bolshoi, prometeu mundos e fundos: renovação do repertório e renovação artística. Mas a realidade provou-se mais complexa do que o esperado e é impossível solucionar problemas de financiamento pela substituição dos dirigentes da organização.
Como bem diz Mikhauil Shvidkoi, vice-ministro da Cultura e atual diretor do novo canal cultural de TV russo, os dois grandes teatros de ópera e balé do país -o Bolshoi e o Marinskii, de São Petersburgo, mais conhecido como Kirov- "foram criados no império russo e conservaram esse espírito imperial durante a era soviética".
"Tinham elencos de grandes artistas-servos de um país totalitário", disse Shvidkoi, o que explica o fato de que tantos artistas magníficos tenham trabalhado nas duas companhias, algo que o Metropolitan Opera House de Nova York e o Opera de Paris não tinham condições de fazer, porque "não teriam dinheiro para contratar ao mesmo tempo cantores como Kozlovski e Lemeshev e bailarinas da categoria de uma Semionova ou de uma Ulanova".
Quando caiu o império, a Rússia entrou no mercado mundial, e seus artistas fizeram o mesmo, deixando de ser servos de gleba. "Os melhores deles não tinham por que esperar a benevolência dos dirigentes locais, porque eram recebidos de braços abertos em todos os palcos do mundo", disse Shvidkoi, que considera que, para salvar o Bolshoi, a primeira coisa a fazer é garantir o financiamento e mudar "toda a estrutura".
Shvidkoi crê que as coisas melhoraram na gestão Vasiliev, mas adverte que "simplesmente mudar o diretor não trará resultados positivos".


Tradução Paulo Migliacci



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