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DANÇA
Emblema do governo soviético por décadas, teatro passa por dificuldades financeiras e disputas internas
Bolshoi agoniza em meio ao caos econômico
CRAIG WILSON
das agências internacionais
"O Bolshoi está agonizando." Essa sentença de morte podia ser ouvida ao longo de todo o ano passado dos lábios dos mais diversos
personagens da cultura russa; de
vice-ministros a críticos musicais,
passando por bailarinos e cantores. Repetiam o que já se vinha dizendo há anos, quando Yuri Grigorovich ainda dirigia o mais famoso teatro de ópera e balé russo.
Acusado de ser um ditador, ele
foi destituído em 1995, depois de
ter reinado com mão de ferro sobre o Bolshoi por três décadas. Para sucedê-lo, foi nomeado Vladimir Vasiliev. Mas não é por isso
que o Bolshoi saiu da crise ou deixou de ser um lugar de conflitos.
O Bolshoi, na Rússia, foi muito
mais do que principal teatro de
ópera e balé do país. Durante anos
foi o emblema da União Soviética
e, da mesma forma que as realizações soviéticas na conquista do espaço, era usado pelos dirigentes
soviéticos para alardear as conquistas do sistema socialista.
Os êxitos do Bolshoi em suas
turnês no exterior eram considerados como triunfos da União Soviética. Daí vem o apoio que o
Kremlin sempre deu ao balé, o que
por sua vez explica de que maneira
os bailarinos e cantores dessa organização foram sempre verdadeiros privilegiados ao longo das décadas de domínio comunista.
Mas a desintegração da União
Soviética acabou com essa
mais-valia do Bolshoi, e o teatro
começou a sofrer problemas financeiros na transição para a economia de mercado. E isso foi ainda
mais agravado pelas disputas internas que envenenavam a vida do
teatro.
A Grigorovich foi atribuída a
culpa por causar uma crise sem
precedentes no Bolshoi, por expulsar grandes figuras do balé a
quem não dava oportunidade de
expressão e por levar o legendário
teatro à paralisia criativa, já que
praticamente todos os balés do repertório do grupo eram dirigidos
por ele.
A bem da verdade, é preciso
lembrar que sob Grigorovich o
Bolshoi viveu uma renovação artística e criativa, e a contribuição
dele ao balé russo é realmente preciosíssima. Entre as obras que
montou estão "Spartacus", com
Vladimir Vasiliev, o grande bailarino que mais tarde entraria em
conflito com Grigorovich e se veria obrigado a abandonar o Bolshoi. Paradoxalmente, Vasiliev foi
escolhido como sucessor de Grigorovich e agora é alvo das mesmas acusações que antes fazia a
seu mestre e rival.
O florescimento do Bolshoi sob
Grigorovich durou duas décadas,
e apenas em seus últimos dez anos
de comando -que curiosamente
coincidiram com a perestroika, a
época de transição da sociedade
russa- pôde-se começar a vislumbrar o começo de uma profunda crise.
Vasiliev não foi o único a ter de
sair do Bolshoi; outras figuras importantes do balé russo também
brigaram com Grigorovich e se
afastaram como inimigos, entre as
quais a famosa bailarina Maya
Plissetskaia e Gediminas Tarandá,
para citar apenas dois entre muitos.
Plissetskaia garante que a culpa
pela paralisia artística do Bolshoi
cabe a Raíssa Maximovna, mulher
do ex-líder soviético Mikhail Gorbatchev. "Foi ela que deu carta
branca a Grigorovich, a quem a
unia uma amizade nascida do fato
de a neta de Gorbatchev estudar
na escola de balé", disse a grande
bailarina russa há algum tempo.
Plissetskaia preside, desde 1994,
o Balé Imperial Russo, companhia
que tem Tarandá por diretor artístico. Esse bailarino foi também
uma das grandes figuras do Bolshoi, onde atuou de 1980 a 1994,
quando se converteu em uma das
últimas "vítimas" de Grigorovich.
Quando Vladimir Vasiliev, excelente bailarino e coreógrafo, substituiu Grigorovich como diretor
do Bolshoi, prometeu mundos e
fundos: renovação do repertório e
renovação artística. Mas a realidade provou-se mais complexa do
que o esperado e é impossível solucionar problemas de financiamento pela substituição dos dirigentes da organização.
Como bem diz Mikhauil Shvidkoi, vice-ministro da Cultura e
atual diretor do novo canal cultural de TV russo, os dois grandes
teatros de ópera e balé do país -o
Bolshoi e o Marinskii, de São Petersburgo, mais conhecido como
Kirov- "foram criados no império russo e conservaram esse espírito imperial durante a era soviética".
"Tinham elencos de grandes artistas-servos de um país totalitário", disse Shvidkoi, o que explica
o fato de que tantos artistas magníficos tenham trabalhado nas
duas companhias, algo que o Metropolitan Opera House de Nova
York e o Opera de Paris não tinham condições de fazer, porque
"não teriam dinheiro para contratar ao mesmo tempo cantores como Kozlovski e Lemeshev e bailarinas da categoria de uma Semionova ou de uma Ulanova".
Quando caiu o império, a Rússia
entrou no mercado mundial, e
seus artistas fizeram o mesmo,
deixando de ser servos de gleba.
"Os melhores deles não tinham
por que esperar a benevolência
dos dirigentes locais, porque eram
recebidos de braços abertos em todos os palcos do mundo", disse
Shvidkoi, que considera que, para
salvar o Bolshoi, a primeira coisa a
fazer é garantir o financiamento e
mudar "toda a estrutura".
Shvidkoi crê que as coisas melhoraram na gestão Vasiliev, mas
adverte que "simplesmente mudar
o diretor não trará resultados positivos".
Tradução
Paulo Migliacci
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