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MÔNICA BERGAMO
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Lembo e o tucano de madeira que a família Alckimin deixou no jardim |
O estilo PFLembo
O governador Cláudio Lembo abre as portas da residência oficial e de seu gabinete para mostrar a rotina do poder
O novo governador de SP,
Cláudio Lembo, é uma espécie de Fernando Henrique Cardoso do PFL: perde
o amigo, mas não perde a piada.
E o primeiro alvo delas é ele
mesmo. Lembo ganhou o apelido de Mr. Burns, o diretor de
usina nuclear do seriado "Os
Simpsons", por causa de suas
grandes sobrancelhas. "Prossigo com elas. Só me preocupo é
na hora de fechar o caixão. Vai
ser difícil!" Há quase um mês no
comando do segundo maior orçamento do país, Lembo diz
que governa sem maiores pretensões além de fazer uma boa
administração. "Aos 71 anos, eu
só tenho duas alternativas: o
céu, onde o ar-condicionado é
muito bom, e o inferno, onde as
companhias são ótimas."
São 8h30 de segunda-feira
quando ele abre as portas da ala
residencial do Palácio dos Bandeirantes para a coluna. "Bom
dia. Estão com fome?" A residência está quase sem móveis
-muitos eram da família Alckmin e foram embora com o ex-governador e agora candidato à
Presidência, Geraldo Alckmin.
Como vai passar só nove meses
no lugar, Lembo não trouxe
quase nada de sua casa.
Algumas mudanças, no entanto, foram implantadas: a nova primeira-dama, Renéa, 69,
ordenou que todas as portas
permanecessem abertas, para
que a casa ficasse mais iluminada. Lembo mandou suspender
o serviço de floricultura. "É
muito caro isso. Flores para
quê?", pergunta ele, diante de
um vaso de orquídeas amarelas,
ainda resquício da era Alckmin.
"Ela (a ex-primeira-dama Lu
Alckmin) ganhava muita flor.
Tinha compromisso, viajava.
Eu não tenho a mesma saúde",
diz dona Renéa. De casa, ela
trouxe torradinhas Marilan, cereais, sabonetes Dove, ternos
para o marido e alguns vestidos
e casacos para seu uso.
O casal mostra a varanda.
Lembo vê um tucano de madeira fincado num vaso, outro resquício da era Alckmin. Faz "carinho" no pássaro. "Olha, coitadinho, "tá" órfão. Agora só tem
pardal aqui, só tem bichinho
feio." Dona Renéa opina: "Tucano é feio, né?". Eles mostram
o canil de Tito, o pitbull da família Alckmin. A primeira-dama
lembra da vez em que viajou
com o pitbull no helicóptero do
governo. "Fui com ela (Lu) para
Campos do Jordão. O pitbull foi
junto. Ele botava o rabo no meu
colo. Dava um medo..."
O passeio continua, agora pelas cinco suítes da residência. "A
gente precisa gritar quando está
no quarto de casal, de tão grande que é", diz Renéa. "É ótimo
para casamento que tem mais
de 50 anos", diz Lembo. Ela ri.
Eles estão casados há 48.
E o closet da primeira-dama?
O casal concorda em mostrar.
"Nem tem armário para tanto
vestido!", diz Lembo, referindo-se à polêmica das doações do estilista Rogério Figueiredo a Lu
Alckmin -ele diz que deu a ela
400 peças, Lu admite 49.
São dois closets: o da primeira-dama é um corredor com 16
portas. O do governador tem 11.
Dona Renéa mostra seus vestidos: 22 para o dia-a-dia, nove de
festa, 18 casaquinhos, oito bolsas. "Elas [colunista e fotógrafa
da Folha] estão te fazendo de
boba. Não está vendo que são
perigosas?", diz Lembo. Dona
Renéa tira do armário um vestido preto, com miçangas, da grife italiana Líolá. "Esse aqui eu já
usei tanto...", diz. "A Marta [Suplicy] me olhava de um jeito...
Acho que ela tinha dó!".
Lembo não perde a piada:
"Tudo eu paguei, viu?". E depois, sério: "Essa coisa de vestido doado [a Lu Alckmin] é uma
bobagem. Ela não incorporou
ao patrimônio. Ela doou tudo".
No closet do governador, dez
camisas sociais brancas, seis esportes, gravatas pretas (Lembo
só usa gravatas dessa cor desde
que, em 1999, perdeu seu filho
mais velho, Cláudio, vítima de
um erro médico). Dona Renéa
abre outra porta do closet do
marido: "Tem mais coisa aqui".
E mostra um roupão roxo de
bolinhas brancas. Lembo finge
se irritar com a mulher: "Ela
quer é me dedar!".
O governador se dirige ao gabinete, ao lado da ala residencial, para a primeira audiência
do dia, com o ex-secretário de
Governo, Arnaldo Madeira. Os
dois falam da eleição presidencial. "O Delfim [Netto] acha que
o Lula ganha e coloca quatro
milhões na rua se virar vítima",
diz Madeira. "Coloca nada! Vocês são crianças, não viram nada. O brasileiro é "insolidário". O
Getúlio se matou e foi um silêncio em SP. O Jânio renunciou,
silêncio. O brasileiro ajuda na
enchente, mas quando é política, vai para a praia", diz Lembo.
Madeira sai. Lembo retorna
uma ligação de Delfim. "Eu não
estou podendo falar nada porque estou com a Folha aqui. Só
estou podendo ouvir!" Delfim
ironiza. Diz que o PFL precisa
pedir o impeachment de Lula
"para ajudar a reeleger logo o
presidente". Lembo é contra.
"Lembo é um homem inteligente. Isso é coisa para débil mental", diz Delfim. O prefeito de
SP, Gilberto Kassab, do PFL, telefona. "Não posso falar nada",
repete Lembo. "Estou com a Folha aqui!". Combinam um almoço. O governador Aécio Neves, de Minas, telefona. "Não
posso falar!", brinca Lembo. Os
dois combinam uma viagem a
Brasília, no dia seguinte, para
pressionar o governo a liberar
recursos da Lei Kandir.
No gabinete, o governador
lembra do passado: presidente
da Arena, em 1975, foi chamado
para reunião de emergência no
Bandeirantes com o presidente
Ernesto Geisel: Vladimir Herzog tinha sido assassinado. "É
uma tragédia", disse Geisel.
Lembo recorda ainda quando
Golbery do Couto e Silva o escalou para negociar a abertura
com Lula, então líder sindical, e
dom Paulo Evaristo Arns.
"Marquei audiência deles com o
[ministro da Justiça Petrônio]
Portella. Aí o Golbery ligou: "Desarma o dom Paulo. Os verdes
não querem'". Procurei o dom
Paulo e falei: "Tô numa fria!".
Ele entendeu. E nunca contou o
episódio a ninguém".
Secretário Jurídico de Jânio
Quadros, em 1985, Lembo recebeu a ordem de desapropriar a
casa do empresário Abram
Szajman para fazer um orfanato. Obedeceu. "A Justiça barrou,
mas ele até hoje me cobra."
O governador recebe telefonemas de secretários, assessores,
artistas. Marca, ele mesmo, os
compromissos. "Marcar com
minha secretária? Não, que secretária... Vamos marcar já!",
diz ao interlocutor. "Cadê minha agenda? Tô perdido aqui!"
Perto de 13h, sai de carro, um
Astra preto, rumo à Associação
Comercial de SP, para um almoço da cúpula do PFL. No cardápio, uma análise sobre a pesquisa Datafolha, que mostra Lula
20 pontos à frente de Alckmin.
No caminho, Lembo ouve, no
rádio, uma entrevista de Anthony Garotinho. O PFL abriria
mão da vice de Alckmin para
Garotinho? Mais uma vez, Lembo não perde a piada. "Vai ser
lindo, Opus Dei [Alckmin] com
evangélicos [Garotinho]." Mas
se preocupa com o amigo: "É
brincadeira, piada. O Geraldo
não é da Opus Dei. Isso é uma
tremenda mentira".
De volta ao Palácio, mais despachos, com assessores e secretários. O bispo dom Antonio
aparece, para abençoar Lembo.
"Em nome do pai, do filho...".
No sofá do gabinete, um documento do bispo: "Projeto de
Veiculação da Rede Vida". É
uma proposta para que o governo anuncie na emissora católica: 300 inserções, R$ 1,8 milhão.
O expediente avança pela noite. Lembo mantém o humor.
Diz que o cargo não o emociona
especialmente. Nem mesmo na
posse se abalou. "Emocionado?
Por quê? Vamos ser responsáveis. Mas não vamos ser ingênuos de acreditar no poder, né?"
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