São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Lembo e o tucano de madeira que a família Alckimin deixou no jardim


O estilo PFLembo

O governador Cláudio Lembo abre as portas da residência oficial e de seu gabinete para mostrar a rotina do poder

O novo governador de SP, Cláudio Lembo, é uma espécie de Fernando Henrique Cardoso do PFL: perde o amigo, mas não perde a piada. E o primeiro alvo delas é ele mesmo. Lembo ganhou o apelido de Mr. Burns, o diretor de usina nuclear do seriado "Os Simpsons", por causa de suas grandes sobrancelhas. "Prossigo com elas. Só me preocupo é na hora de fechar o caixão. Vai ser difícil!" Há quase um mês no comando do segundo maior orçamento do país, Lembo diz que governa sem maiores pretensões além de fazer uma boa administração. "Aos 71 anos, eu só tenho duas alternativas: o céu, onde o ar-condicionado é muito bom, e o inferno, onde as companhias são ótimas."
 
São 8h30 de segunda-feira quando ele abre as portas da ala residencial do Palácio dos Bandeirantes para a coluna. "Bom dia. Estão com fome?" A residência está quase sem móveis -muitos eram da família Alckmin e foram embora com o ex-governador e agora candidato à Presidência, Geraldo Alckmin. Como vai passar só nove meses no lugar, Lembo não trouxe quase nada de sua casa.
 
Algumas mudanças, no entanto, foram implantadas: a nova primeira-dama, Renéa, 69, ordenou que todas as portas permanecessem abertas, para que a casa ficasse mais iluminada. Lembo mandou suspender o serviço de floricultura. "É muito caro isso. Flores para quê?", pergunta ele, diante de um vaso de orquídeas amarelas, ainda resquício da era Alckmin.
 
"Ela (a ex-primeira-dama Lu Alckmin) ganhava muita flor. Tinha compromisso, viajava. Eu não tenho a mesma saúde", diz dona Renéa. De casa, ela trouxe torradinhas Marilan, cereais, sabonetes Dove, ternos para o marido e alguns vestidos e casacos para seu uso.

O casal mostra a varanda. Lembo vê um tucano de madeira fincado num vaso, outro resquício da era Alckmin. Faz "carinho" no pássaro. "Olha, coitadinho, "tá" órfão. Agora só tem pardal aqui, só tem bichinho feio." Dona Renéa opina: "Tucano é feio, né?". Eles mostram o canil de Tito, o pitbull da família Alckmin. A primeira-dama lembra da vez em que viajou com o pitbull no helicóptero do governo. "Fui com ela (Lu) para Campos do Jordão. O pitbull foi junto. Ele botava o rabo no meu colo. Dava um medo..."
 
O passeio continua, agora pelas cinco suítes da residência. "A gente precisa gritar quando está no quarto de casal, de tão grande que é", diz Renéa. "É ótimo para casamento que tem mais de 50 anos", diz Lembo. Ela ri. Eles estão casados há 48.
 
E o closet da primeira-dama? O casal concorda em mostrar. "Nem tem armário para tanto vestido!", diz Lembo, referindo-se à polêmica das doações do estilista Rogério Figueiredo a Lu Alckmin -ele diz que deu a ela 400 peças, Lu admite 49.
 
São dois closets: o da primeira-dama é um corredor com 16 portas. O do governador tem 11. Dona Renéa mostra seus vestidos: 22 para o dia-a-dia, nove de festa, 18 casaquinhos, oito bolsas. "Elas [colunista e fotógrafa da Folha] estão te fazendo de boba. Não está vendo que são perigosas?", diz Lembo. Dona Renéa tira do armário um vestido preto, com miçangas, da grife italiana Líolá. "Esse aqui eu já usei tanto...", diz. "A Marta [Suplicy] me olhava de um jeito... Acho que ela tinha dó!".
 
Lembo não perde a piada: "Tudo eu paguei, viu?". E depois, sério: "Essa coisa de vestido doado [a Lu Alckmin] é uma bobagem. Ela não incorporou ao patrimônio. Ela doou tudo".
 
No closet do governador, dez camisas sociais brancas, seis esportes, gravatas pretas (Lembo só usa gravatas dessa cor desde que, em 1999, perdeu seu filho mais velho, Cláudio, vítima de um erro médico). Dona Renéa abre outra porta do closet do marido: "Tem mais coisa aqui". E mostra um roupão roxo de bolinhas brancas. Lembo finge se irritar com a mulher: "Ela quer é me dedar!".


O governador se dirige ao gabinete, ao lado da ala residencial, para a primeira audiência do dia, com o ex-secretário de Governo, Arnaldo Madeira. Os dois falam da eleição presidencial. "O Delfim [Netto] acha que o Lula ganha e coloca quatro milhões na rua se virar vítima", diz Madeira. "Coloca nada! Vocês são crianças, não viram nada. O brasileiro é "insolidário". O Getúlio se matou e foi um silêncio em SP. O Jânio renunciou, silêncio. O brasileiro ajuda na enchente, mas quando é política, vai para a praia", diz Lembo.
 
Madeira sai. Lembo retorna uma ligação de Delfim. "Eu não estou podendo falar nada porque estou com a Folha aqui. Só estou podendo ouvir!" Delfim ironiza. Diz que o PFL precisa pedir o impeachment de Lula "para ajudar a reeleger logo o presidente". Lembo é contra. "Lembo é um homem inteligente. Isso é coisa para débil mental", diz Delfim. O prefeito de SP, Gilberto Kassab, do PFL, telefona. "Não posso falar nada", repete Lembo. "Estou com a Folha aqui!". Combinam um almoço. O governador Aécio Neves, de Minas, telefona. "Não posso falar!", brinca Lembo. Os dois combinam uma viagem a Brasília, no dia seguinte, para pressionar o governo a liberar recursos da Lei Kandir.
 
No gabinete, o governador lembra do passado: presidente da Arena, em 1975, foi chamado para reunião de emergência no Bandeirantes com o presidente Ernesto Geisel: Vladimir Herzog tinha sido assassinado. "É uma tragédia", disse Geisel.

Lembo recorda ainda quando Golbery do Couto e Silva o escalou para negociar a abertura com Lula, então líder sindical, e dom Paulo Evaristo Arns. "Marquei audiência deles com o [ministro da Justiça Petrônio] Portella. Aí o Golbery ligou: "Desarma o dom Paulo. Os verdes não querem'". Procurei o dom Paulo e falei: "Tô numa fria!". Ele entendeu. E nunca contou o episódio a ninguém".
 
Secretário Jurídico de Jânio Quadros, em 1985, Lembo recebeu a ordem de desapropriar a casa do empresário Abram Szajman para fazer um orfanato. Obedeceu. "A Justiça barrou, mas ele até hoje me cobra."
 
O governador recebe telefonemas de secretários, assessores, artistas. Marca, ele mesmo, os compromissos. "Marcar com minha secretária? Não, que secretária... Vamos marcar já!", diz ao interlocutor. "Cadê minha agenda? Tô perdido aqui!"
 
Perto de 13h, sai de carro, um Astra preto, rumo à Associação Comercial de SP, para um almoço da cúpula do PFL. No cardápio, uma análise sobre a pesquisa Datafolha, que mostra Lula 20 pontos à frente de Alckmin.
 
No caminho, Lembo ouve, no rádio, uma entrevista de Anthony Garotinho. O PFL abriria mão da vice de Alckmin para Garotinho? Mais uma vez, Lembo não perde a piada. "Vai ser lindo, Opus Dei [Alckmin] com evangélicos [Garotinho]." Mas se preocupa com o amigo: "É brincadeira, piada. O Geraldo não é da Opus Dei. Isso é uma tremenda mentira".
 
De volta ao Palácio, mais despachos, com assessores e secretários. O bispo dom Antonio aparece, para abençoar Lembo. "Em nome do pai, do filho...". No sofá do gabinete, um documento do bispo: "Projeto de Veiculação da Rede Vida". É uma proposta para que o governo anuncie na emissora católica: 300 inserções, R$ 1,8 milhão.
 
O expediente avança pela noite. Lembo mantém o humor. Diz que o cargo não o emociona especialmente. Nem mesmo na posse se abalou. "Emocionado? Por quê? Vamos ser responsáveis. Mas não vamos ser ingênuos de acreditar no poder, né?"


Texto Anterior: Jurados e boleiros disputam atenção
Próximo Texto: TV no Cinema: Após fracasso em 2005, SBT volta a apostar no cinema
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.