São Paulo, Sexta-feira, 16 de Abril de 1999
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GASTRONOMIA
Bálcãs não entram em guerra na cozinha

Fabiano Accorsi/Folha Imagem
A cozinheira sérvia Erzebet Rigo, do restaurante Clube Sérvio (Vila Mariana) exibe pratos típicos de seu país


FERNANDO OLIVA
da Redação

Comendo, sérvios e albaneses poderiam estar de mãos dadas -apesar de no momento não se sentarem juntos à mesa. Na gastronomia dos dois povos, as semelhanças são mais comuns, e bem-vindas, que as diferenças -conflitos territoriais deixam o campo de batalha para dar lugar a pratos saborosos, sobremesas de primeira e licores exóticos.
O sérvio Zoran Luburic, um dos proprietários do restaurante do Clube Sérvio, na Vila Mariana (zona sudoeste de São Paulo), explica, em português quase perfeito, que as influências mais pronunciadas da culinária praticada em seu país vêm dos turcos, árabes e gregos.
A culinária albanesa segue pelo mesmo caminho. A economista Laura Qorlaze (que consegue falar português ainda melhor que Zoran) morava na capital, Tirana, e está em São Paulo há mais de um ano trabalhando para a auditoria e consultoria KPMG. Ela nunca esteve na República Sérvia, mas reconhece, com nomes albaneses, a maioria dos pratos que integra o cardápio do restaurante sérvio. Estão lá "sarma", repolho recheado com carne moída, "pita sa spanacem", massa folhada com espinafre, e "muckalica", carne com legumes, todos pratos que ela degusta desde a infância.
Sérvios e albaneses, assim como muitos habitantes dos Bálcãs, não passam sem a sua páprica (do húngaro "paprika"), o picante tempero em pó feito com pimentão vermelho que comparece em pratos como o sérvio "punjena paprika", pimentão recheado com carne moída, ou o albanês frango com recheio de castanhas, receita sugerida por Laura (veja quadro).
O sérvio Zoran (o nome quer dizer "aurora") conta que veio com a mãe desde Belgrado (capital da Iugoslávia) há seis anos, assustado com a Guerra da Bósnia (1992-95), e abriu um restaurante no quase abandonado Clube Sérvio.
Ali, meio esquecida entre as calmas ruas residenciais da Vila Mariana, a cozinha sérvia pode ser "enfrentada" num lugar despojado, de simples toalhinhas xadrez sobre as mesas.
Obrigatório: o carneirinho na brasa, o baklava (sobremesa de massa folhada com nozes) e um licor de uva importado da República de Montenegro.
A casa só abre na noite de sexta e no fim-de-semana. À maneira sérvia, os pratos são fartos e servem tranquilamente duas pessoas.
Quem cozinha é a mãe, Erzebet Rigo. O garçom é outro de seus filhos, Goran ("montanha") Luburic, que chegou há dois anos.
O restaurante não serve Cola-Cola, protesto silencioso de Zoran e sua família contra os ataques da Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos.


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