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"A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA"
Grande mérito do filme é não simplificar "lados"
BIA ABRAMO
especial para a Folha
"A Outra História Americana"
foi malhado pelos jornais e revistas
quando do lançamento nos EUA.
O filme foi acusado de maniqueísta, simplista, de ter personagens
unidimensionais e abusar da violência estetizada. Fez carreira medíocre nas bilheterias.
O que é curioso é que os mesmos
críticos que não conseguiram ver
problemas muito parecidos em "O
Resgate do Soldado Ryan", usaram
de um rigor quase excessivo com
"A Outra História Americana".
Só que, enquanto Spielberg marcha no terreno seguríssimo da versão romantizada e idealizada da
participação dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial, o
diretor Tony Kaye pisa em terreno
muito mais minado: o neonazismo
nos EUA contemporâneos. Pesa aí
um fator ideológico: Kaye mexeu
com a "outra história", muito mais
incômoda e contrastante com o
conto de fadas em que foi transformada a intervenção dos norte-americanos na Segunda Guerra.
A comparação entre "A Outra
História" e "Ryan" não é ao acaso:
além dos defeitos, ambos os filmes
compartilham alguns temas, como
o conceito norte-americano de heroísmo, a violência em situações
de conflito e o resgate de um jovem. Enquanto no filme de Spielberg não há dúvidas de quem vai
ser o herói, em "A Outra História
Americana", entretanto, o espectador se vê com o problema de discernir quem é herói, quem é vilão.
Que é o mesmo problema de
Danny, o personagem de Edward
Furlong. Seu irmão mais velho,
Derek (Edward Norton), líder de
um grupo neonazista de Venice
Beach, Califórnia, está na prisão.
Danny integra o grupo neonazista
e escreve um trabalho para a escola
sobre "Mein Kampf", o livro de
Adolf Hitler. O diretor da escola
(Avery Brooks) pede que ele escreva um ensaio sobre seu irmão e sua
influência na família.
A partir daí, o filme entremeia
flashbacks em preto-e-branco com
as reminiscências de Danny sobre
o irmão, um sujeito articulado e
inteligente, mas violento, e o Derek
"real", que sai transformado e disposto a abandonar a gangue. O retrato da juventude confusa e ressentida que adere ao neonazismo é
traçado com eficiência.
Há uma espécie de leviandade televisiva na condução do roteiro,
sobretudo no que diz respeito à
mutação de Derek. A força do filme reside na intensidade e na ambiguidade da relação dos irmãos.
Furlong conduz seu Danny sensível e confuso com delicadeza. Norton, assustador como líder neonazista e convincente como o sujeito
transformado pelo sofrimento,
merecia a indicação ao Oscar.
O grande mérito de "A Outra
História" é de, ao contrário do que
julgou a crítica norte-americana,
não simplificar os "lados". Neonazistas são sim assustadores, mas
vêm de uma promessa não cumprida pelo sonho americano. Os
negros não são apenas vítimas: rezam pela mesma cartilha da violência. Se de alguma forma o filme
chega a ser didático, é para mostrar como o conflito racial oculta
uma disputa de outra ordem, a disputa dos excluídos pelas migalhas
que lhes reserva a sociedade.
Avaliação:
Filme: A Outra História Americana
Produção: EUA, 1998
Direção: Tony Kaye
Com: Edward Norton, Edward Furlong
Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1,
Eldorado 2 e circuito
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