São Paulo, Sexta-feira, 16 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA"
Grande mérito do filme é não simplificar "lados"

BIA ABRAMO
especial para a Folha

"A Outra História Americana" foi malhado pelos jornais e revistas quando do lançamento nos EUA. O filme foi acusado de maniqueísta, simplista, de ter personagens unidimensionais e abusar da violência estetizada. Fez carreira medíocre nas bilheterias.
O que é curioso é que os mesmos críticos que não conseguiram ver problemas muito parecidos em "O Resgate do Soldado Ryan", usaram de um rigor quase excessivo com "A Outra História Americana".
Só que, enquanto Spielberg marcha no terreno seguríssimo da versão romantizada e idealizada da participação dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial, o diretor Tony Kaye pisa em terreno muito mais minado: o neonazismo nos EUA contemporâneos. Pesa aí um fator ideológico: Kaye mexeu com a "outra história", muito mais incômoda e contrastante com o conto de fadas em que foi transformada a intervenção dos norte-americanos na Segunda Guerra.
A comparação entre "A Outra História" e "Ryan" não é ao acaso: além dos defeitos, ambos os filmes compartilham alguns temas, como o conceito norte-americano de heroísmo, a violência em situações de conflito e o resgate de um jovem. Enquanto no filme de Spielberg não há dúvidas de quem vai ser o herói, em "A Outra História Americana", entretanto, o espectador se vê com o problema de discernir quem é herói, quem é vilão.
Que é o mesmo problema de Danny, o personagem de Edward Furlong. Seu irmão mais velho, Derek (Edward Norton), líder de um grupo neonazista de Venice Beach, Califórnia, está na prisão. Danny integra o grupo neonazista e escreve um trabalho para a escola sobre "Mein Kampf", o livro de Adolf Hitler. O diretor da escola (Avery Brooks) pede que ele escreva um ensaio sobre seu irmão e sua influência na família.
A partir daí, o filme entremeia flashbacks em preto-e-branco com as reminiscências de Danny sobre o irmão, um sujeito articulado e inteligente, mas violento, e o Derek "real", que sai transformado e disposto a abandonar a gangue. O retrato da juventude confusa e ressentida que adere ao neonazismo é traçado com eficiência.
Há uma espécie de leviandade televisiva na condução do roteiro, sobretudo no que diz respeito à mutação de Derek. A força do filme reside na intensidade e na ambiguidade da relação dos irmãos. Furlong conduz seu Danny sensível e confuso com delicadeza. Norton, assustador como líder neonazista e convincente como o sujeito transformado pelo sofrimento, merecia a indicação ao Oscar.
O grande mérito de "A Outra História" é de, ao contrário do que julgou a crítica norte-americana, não simplificar os "lados". Neonazistas são sim assustadores, mas vêm de uma promessa não cumprida pelo sonho americano. Os negros não são apenas vítimas: rezam pela mesma cartilha da violência. Se de alguma forma o filme chega a ser didático, é para mostrar como o conflito racial oculta uma disputa de outra ordem, a disputa dos excluídos pelas migalhas que lhes reserva a sociedade.


Avaliação:



Filme: A Outra História Americana Produção: EUA, 1998 Direção: Tony Kaye Com: Edward Norton, Edward Furlong Quando: a partir de hoje, no Cinearte 1, Eldorado 2 e circuito


Texto Anterior: Um banho de sangue que nunca vem
Próximo Texto: Norton dirige longa-metragem
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.