São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Crítica/"Longe Dela"

Atriz domina drama sobre degeneração da memória

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"A memória é nossa identidade, nossa alma. Se você perde a memória hoje, já não existe alma", disse Umberto Eco na entrevista publicada no último domingo no caderno Mais!.
Eco refere-se a um fenômeno cruzado: a abundância de informação (irrelevante, completa) e a conseqüente perda de relação com o passado.
Talvez a atualidade da questão tenha levado a que, nos últimos anos, os filmes protagonizados pela perda de memória já se constituam quase em um gênero. No entanto, o esquecimento pode ser mais que uma diversão cômoda e não é por acaso que o mal de Alzheimer parece uma doença apta a substituir a Aids como mais recente mal do século.
Talvez no passado o Alzheimer se confundisse com a idéia de caduquice, de uma espécie de anos excedentes de vida que o destino consentiria a alguns poucos seres. O que era exceção tornou-se algo regular: as pessoas vivem mais.
Mas, e se a suposição de que o Alzheimer é necessariamente um mal do excesso de idade, for apenas uma impressão? É disso que trata "Longe Dela", da canadense Sarah Polley, pois ali Julie Christie, ou Fiona Anderson, tem pouco mais de 60 anos quando é acometida pelo mal. Assim como Grant (Gordon Pinsent), o marido, ela tem consciência do desenrolar inexorável da doença: perdas de memória que se tornam cada vez mais intensas e menos espaçadas, de tal modo que, em dado momento elas podem suscitar momentos poéticos (tipo cheirar uma flor num bosque familiar e sentir como se experimentasse aquilo pela primeira vez, e mais tarde ter consciência total do processo).
Em determinado ponto, Grant é forçado a colocá-la num asilo. A partir daqui, o filme se dedicará à descrição da ligação amorosa -delicada e dolorosa- do homem por uma mulher "sem alma".
"Longe Dela" é, em primeiro lugar, um filme de atriz, mas não só: não é fácil controlar a descrição da progressiva ausência da personagem -um crescendo a um tempo dramático e médico de que Sarah Polley dá conta com desenvoltura. Tão difícil quanto, a partir do destino muito particular de um personagem, evocar esse destino neurológico denominado mal de Alzheimer e esse destino de civilização, cada vez mais voltada ao esquecimento.


LONGE DELA
Direção:
Sarah Polley
Produção: Canadá, 2006
Com: Gordon Pinsent, Julie Christie, Olympia Dukakis
Quando: estréia hoje nos cines UOL Lumière, Reserva Cultural e circuito (classificação: 12 anos)
Avaliação: bom


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