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Crítica/"Longe Dela"
Atriz domina drama sobre degeneração da memória
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"A memória é nossa
identidade, nossa
alma. Se você perde
a memória hoje, já não existe
alma", disse Umberto Eco na
entrevista publicada no último
domingo no caderno Mais!.
Eco refere-se a um fenômeno cruzado: a abundância de
informação (irrelevante, completa) e a conseqüente perda de
relação com o passado.
Talvez a atualidade da questão tenha levado a que, nos últimos anos, os filmes protagonizados pela perda de memória já se constituam quase em um gênero. No entanto, o esquecimento pode ser mais que uma
diversão cômoda e não é por
acaso que o mal de Alzheimer
parece uma doença apta a
substituir a Aids como mais recente mal do século.
Talvez no passado o Alzheimer se confundisse com a idéia
de caduquice, de uma espécie
de anos excedentes de vida que
o destino consentiria a alguns
poucos seres. O que era exceção tornou-se algo regular: as
pessoas vivem mais.
Mas, e se a suposição de que
o Alzheimer é necessariamente
um mal do excesso de idade, for
apenas uma impressão? É disso que trata "Longe Dela", da
canadense Sarah Polley, pois
ali Julie Christie, ou Fiona Anderson, tem pouco mais de 60
anos quando é acometida pelo
mal. Assim como Grant (Gordon Pinsent), o marido, ela tem
consciência do desenrolar inexorável da doença: perdas de
memória que se tornam cada
vez mais intensas e menos espaçadas, de tal modo que, em
dado momento elas podem
suscitar momentos poéticos
(tipo cheirar uma flor num
bosque familiar e sentir como
se experimentasse aquilo pela
primeira vez, e mais tarde ter
consciência total do processo).
Em determinado ponto,
Grant é forçado a colocá-la
num asilo. A partir daqui, o filme se dedicará à descrição da
ligação amorosa -delicada e
dolorosa- do homem por uma
mulher "sem alma".
"Longe Dela" é, em primeiro
lugar, um filme de atriz, mas
não só: não é fácil controlar a
descrição da progressiva ausência da personagem -um
crescendo a um tempo dramático e médico de que Sarah Polley dá conta com desenvoltura. Tão difícil quanto, a partir do destino muito particular de
um personagem, evocar esse
destino neurológico denominado mal de Alzheimer e esse
destino de civilização, cada vez
mais voltada ao esquecimento.
LONGE DELA
Direção: Sarah Polley
Produção: Canadá, 2006
Com: Gordon Pinsent, Julie Christie,
Olympia Dukakis
Quando: estréia hoje nos cines UOL
Lumière, Reserva Cultural e circuito
(classificação: 12 anos)
Avaliação: bom
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