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Rubião monta obra rara da literatura fantástica
PRISCILA FIGUEIREDO
especial para a Folha
Difícil situar o
escritor mineiro
Murilo Rubião
no quadro geral
da literatura
brasileira. Sua
narrativa, comparada logo em sua estréia (1947)
com a de Kafka, comunga com esta em mais de um aspecto, especialmente na construção lógica do
absurdo. Surtos desgarrados de
uma tradição que sempre amparou a ficção mais na observação e
no documento, seus 32 contos
acham-se agora reunidos em edição da Ática. Pequena rara obra de
um autor empenhado em reelaborar obsessivamente seus contos.
Entre os elementos fantásticos,
como a ruptura do princípio de
causalidade, do tempo, do espaço,
da dualidade sujeito/objeto, sobressai o tema da metamorfose.
Esta é central em "Os Três Nomes de Godofredo", "Teleco, o
Coelhinho", "O Pirotécnico Zacarias" e outros. Não deixa de caracterizar a personagem Bárbara,
que incorpora tudo o que deseja, o
mar, o navio, transformando-se
em mulher monstruosa.
Tal voracidade é vertiginosa como a construção de uma Babel
moderna em "O Edifício". Nesse
conto, em que a linguagem combina registro bíblico e registro
protocolar, um engenheiro, João
Gaspar, desdenhando uma antiga
profecia do Conselho Superior de
Fundação, enceta a construção do
"maior arranha-céu de que se tinha notícias". Quando chega ao
octingentésimo andar, tomado de
um tédio sem fim, resolve interromper o empreendimento, mas
em vão: perde o controle sobre a
ação dos operários, doentiamente
empenhados em continuar a obra
e cada vez mais numerosos, sem
sequer exigir remuneração.
Os discursos de João Gaspar para dissuadir os trabalhadores de
seu intento acabam, de tão reiterados, por fortalecê-los ainda mais.
A oratória contraria sua finalidade
original e torna-se fórmula encantatória, a que os peões se acostumam e de que necessitam para sua
labuta infinita. Porque o tédio domina e rotiniza tudo, até o insólito, qualquer fala se engessa, qualquer espanto é desautorizado.
Há em muitas dessas narrativas
uma espécie de circularidade mítica, em que não cabem tempo histórico ou individuação (muitos
personagens nem têm passado,
nem mesmo forma humana).
Sendo mais propriamente tipos,
sem muita espessura psicológica,
os seres de Rubião estão condenados a um desejo ilimitado, a um
fazer ilimitado, a metamorfoses
sucessivas, que não escondem a
fragilidade da condição humana.
Em "O Ex-Mágico da Taberna
Minhota", vemos um homem lamentar-se de não ter criado um
mundo mágico antes de agonizar
no funcionalismo público. Prestidigitador, era capaz de tirar qualquer coisa de seu bolso: animais,
iguarias, pessoas, objetos. Enfadado, não suportando mais a rotina
de suas pirotecnias, corta o próprio braço, mas este renasce. Quer
se matar, e isso não é possível. Parece eterno. Ouvindo alguém dizer
que ser funcionário público é suicidar-se aos poucos, emprega-se
numa secretaria do Estado. Nesse
conto, em que a melancolia é nota
dominante, a falta e a hipérbole, o
cotidiano e o fantástico têm uma
triste equivalência.
Livro: Contos Reunidos
Autor: Murilo Rubião
Lançamento: Ática
Quanto: R$ 22,50 (280 págs.)
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